Pacientes em foco - 02.10.2017
Vacinação contra o HIV: estudo recente mostrou resultados promissores
Em 1996, quando houve o pico na prevalência de infecções, as Nações Unidas criaram a Unaids (United Nations AIDS Program) que veio a se constituir no primeiro organismo global focado em uma única doença.
Em 2000, o Conselho de Segurança da ONU organizou um encontro sem precedentes que visava ir de encontro às demandas de uma crise fora de controle trazida pelos números alarmantes da epidemia de AIDS. Esses esforços levaram ao desembolso de uma enorme quantidade de recursos na pesquisa em HIV/AIDS, acarretando o estabelecimento de esforços globais e coordenados no combate à doença.
Estabeleceu-se consenso quanto à necessidade de se testar e diagnosticar precocemente o maior número de pessoas, ao mesmo que se evidenciou a eficácia na administração precoce de tratamento àqueles diagnosticados, como medida de proteção do indivíduo e da comunidade.
O número de óbitos por AIDS se reduziu a um milhão desde 2005, enquanto a Unaids estima que aproximadamente 20 milhões de pessoas têm agora acesso a algum tipo de tratamento. Alguns desses avanços, no entanto, estão em perigo atualmente: o presidente americano Donald Trump propôs corte de 800 milhões de dólares no orçamento de 2018 de um dos mais importantes programas do governo americano de prevenção a AIDS, denominado Pepfar.
Portanto, no Brasil os números não são tão animadores. Entre 2010 e 2015, o número de novas infecções entre adultos subiu de 43.000 para 44.000 (2,3%). Acredita-se que o desenvolvimento de uma vacina efetiva que proteja contra a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida) constitua-se um dos maiores desafios da medicina nos dias atuais.
O principal obstáculo ao sucesso na obtenção dessa vacina atém-se a um motivo fundamental: o vírus apresenta extraordinária diversidade genética, superando até, nesse sentido, o vírus da gripe. Dessa forma, é difícil supor que um único agente imunizante fosse capaz de atuar diante da enorme diversidade de subtipos do HIV que circulam por todo o mundo.
Inúmeros estudos clínicos elaborados desde os primórdios das pesquisas com o HIV esbarraram nesse óbice: a eficácia da vacina se restringia à cepa da qual o produto era derivado e, por conseguinte, impediria seu emprego como tentativa de se contrapor à epidemia a nível global.
Resultados promissores
Um estudo recém apresentado no Congresso da International AIDS Society, realizado em Paris entre 24 e 27 julho de 2017, evidenciou resultado animador com produto onde aparentemente esse grande obstáculo foi superado. Pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos e da Johnson & Johnson apresentaram nessa conferência dados de um estudo clínico desenvolvido com uma vacina denominada “vacina de mosaico Ad26-env”.
Essa vacina de mosaico foi desenvolvida através do emprego de algoritmo desenvolvido por um computador apto a analisar dados do HIV de todo o mundo e capaz de selecionar uma série de sequências do vírus passíveis de serem administradas em uma única vacina. Denominado “mosaico” uma vez que abrange peças de diferentes cepas do vírus e as reúne conjuntamente, possibilitando, dessa maneira, a indução de respostas imunes capazes de cobrir uma ampla gama de subtipos do HIV.
Deve-se, não obstante, lembrar que estamos apenas na fase inicial dos testes humanos; conquanto a vacina tenha se correlacionado à indução de resposta imune, isso em longo prazo poderia não se refletir em termos de eficácia na redução da transmissão do HIV entre uma pessoa infectada e outra que recebeu a vacina. Certamente esse questionamento será elucidado através do desenvolvimento clínico do produto vacinal. Os resultados iniciais são, no entanto, bastante promissores.
Testes anteriores x atual
Nos 35 anos desde o início da epidemia de AIDS, tão somente quatro conceitos de vacina contra HIV foram objetos de testes em seres humanos. A estratégia do mosaico é, por conseguinte, o quinto conceito a ser testado, sendo um dos dois produtos vacinais contra HIV atualmente em fase de estudos clínicos em humanos – a outra vacina é a HVTN 702 HIV, com estudo em andamento na Tailândia.
No estudo com a vacina Ad26 de mosaico, denominado estudo clínico APPROACH, 393 voluntários nos Estados Unidos, Ruanda, Uganda, África do Sul e Tailândia foram aleatoriamente alocados de modo a que recebessem um dentre sete diferentes preparados contendo a vacina ou placebo. A vacina com mosaico foi bem tolerada e também se mostrou capaz de gerar respostas imunes anti-HIV em todas as pessoas que receberam injeção contendo o produto, em suas diversas concentrações.
Previamente ao estudo em seres humanos, a vacina de mosaico administrada em macacos rhesus correlacionou-se a índice eficácia de 66%.
Como próximas etapas do desenvolvimento dessa vacina, os pesquisadores estão avaliando uma maior população de pessoas (2.600 mulheres do sul da África, HIV-negativas) para confirmar a eficácia imunogênica e clínica da vacina. Uma vacina segura e eficaz contra o HIV viria a se constituir em um poderoso recurso para reduzir o número de novas infecções por HIV ao redor do mundo e ajudaria em muito a que se alcançasse o objetivo de erradicação da pandemia de HIV/AIDS. A exploração de novas abordagens vacinais expandiria a oportunidade para que se alcance tal objetivo.
Fonte: Veja