Odontologia - Tabagismo e câncer bucal: dois desafios, uma só luta

Odontologia - 30.05.2025

Tabagismo e câncer bucal: dois desafios, uma só luta

No Dia Mundial Sem Tabaco e no Dia Mundial do Combate ao Câncer Bucal, especialistas reforçam que prevenção, rastreamento e políticas públicas são essenciais — e que o protagonismo do Cirurgião-Dentista é decisivo dentro e fora do consultório

Outras formas de consumo de tabaco, como cigarros de palha e narguilé, têm se popularizado, mantendo riscos semelhantes ao cigarro convencional
Outras formas de consumo de tabaco, como cigarros de palha e narguilé, têm se popularizado, mantendo riscos semelhantes ao cigarro convencional

Neste 31 de maio, Dia Mundial Sem Tabaco e Dia Mundial do Combate ao Câncer Bucal, o alerta está voltado para a necessidade urgente de estratégias mais eficazes para a prevenção e diagnóstico precoce da doença. Mesmo com maior acesso à saúde e campanhas preventivas, o diagnóstico ainda ocorre predominantemente em estágios avançados, prejudicando as chances de cura e a qualidade de vida dos pacientes.

O professor titular de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do Centro de Referência em Tumores de Cabeça e Pescoço do AC Camargo Cancer Center, Prof. Dr. Luiz Paulo Kowalski, ressalta que o diagnóstico tardio está associado à fragmentação e falta de continuidade das ações educativas, negligência dos pacientes quanto aos sintomas iniciais e falta de capacitação adequada dos profissionais de saúde. "Programas educativos permanentes são essenciais para desencorajar o autodiagnóstico e incentivar a busca por assistência médica e odontológica assim que surgirem sintomas orais, mesmo que pareçam insignificantes", enfatiza o Dr. Kowalski. "A persistência de uma lesão ulcerada ou de um nódulo indolor que cresce progressivamente por mais de duas semanas deve ser considerada um sinal de alerta."

Entre os sinais frequentemente negligenciados estão lesões ulceradas ou nodulares inicialmente indolores com crescimento progressivo. Sintomas como dor, sangramento, mobilidade dentária, dificuldade para falar ou engolir, alterações na mastigação, perda de peso e presença de nódulos no pescoço já indicam avanço significativo da doença.

Mudanças no perfil epidemiológico e fatores emergentes

Embora o tabagismo continue como principal fator de risco para o câncer bucal, o perfil epidemiológico tem mudado. O Dr. Kowalski observa duas tendências importantes: primeiro, um aumento expressivo da incidência de câncer bucal entre mulheres. "Há 50 anos, a proporção era de 8 homens para cada mulher. Hoje, essa relação diminuiu para 2 ou 3 homens para cada mulher", revela. Além disso, destaca o aumento dos casos diagnosticados em ex-fumantes, mesmo muitos anos após terem cessado o hábito.

Outras formas de consumo de tabaco, como cigarros de palha e narguilé, têm se popularizado, mantendo riscos semelhantes ao cigarro convencional. Também preocupa o aumento de tumores associados ao papilomavírus humano (HPV) em indivíduos jovens sem histórico de tabagismo ou álcool.

O doutor em Patologia e diretor do Departamento de Patologia Oral e Maxilofacial do Conselho Científico (COCI) da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD) e coordenador do Departamento de Odontologia do Hospital de Amor de Barretos/SP, Dr. Fabio Luiz Coracin, reforça que apesar da redução geral de fumantes no Brasil, o impacto do tabaco ainda é alto devido ao seu mecanismo biológico na mucosa oral. "Cerca de 90% dos casos de câncer de boca estão associados ao uso de tabaco, especialmente combinado ao álcool. O tabaco age diretamente na mucosa oral, liberando agentes carcinogênicos que causam mutações genéticas, inflamação crônica e danos celulares, levando ao surgimento de lesões potencialmente malignas e, posteriormente, ao desenvolvimento do câncer", esclarece o Dr Coracin.

 Diagnóstico precoce e prevenção: a responsabilidade clínica da Odontologia

Os especialistas enfatizam a importância estratégica do Cirurgião-Dentista na prevenção, identificação precoce e encaminhamento adequado dos casos suspeitos. Dr. Kowalski afirma que é necessário realizar exames bucais regularmente como "rastreamento de oportunidade" durante consultas odontológicas de rotina. O Dr. Coracin reforça que a integração entre Odontologia e atenção primária é essencial para o sucesso das estratégias preventivas.

No Hospital de Amor de Barretos, ações de busca ativa da população de alto risco (tabagistas, etilistas e trabalhadores expostos ao sol), associadas à capacitação contínua dos profissionais, são fundamentais para o sucesso da prevenção e detecção precoce. "O treinamento dos Cirurgiões-Dentistas da atenção primária para identificação das lesões orais com potencial de malignização é essencial. A atuação integrada com a equipe da Atenção Primária amplia significativamente a efetividade da triagem e do diagnóstico precoce".

Neste contexto, ambos deixam uma mensagem clara para os profissionais da Odontologia: agir com rapidez diante de qualquer lesão suspeita, orientar pacientes sobre fatores de risco, realizar exames clínicos detalhados regularmente e encaminhar prontamente para serviços especializados é crucial. "Seu olhar atento, sua escuta sensível e seu compromisso com a saúde vão muito além do consultório: impactam famílias, comunidades e constroem um futuro com menos dor, menos sofrimento e mais qualidade de vida", conclui o Dr. Coracin, reforçando o papel transformador da Odontologia na prevenção do câncer bucal.

Cirurgião-Dentista nas políticas públicas: protagonismo no controle do tabagismo

A Cirurgiã-Dentista, especialista em dependência química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), executiva em saúde e coordenadora estadual do Programa Nacional de Controle do Tabagismo no Estado de São Paulo, Dra. Sandra Silva Marques, defende que o Cirurgião-Dentista deve ser reconhecido como agente essencial nas políticas públicas de saúde voltadas à cessação do tabagismo. Para ela, tratar o tabagismo como uma doença crônica exige envolvimento ativo da Odontologia, inclusive com atribuições específicas como a prescrição de medicamentos no contexto do SUS. “Essa atuação tem sido fundamental inclusive em contextos como o sistema penitenciário”.

Em artigo de opinião escrito para o APCD Jornal especialmente para esta data, a Dra. Sandra aprofunda essas questões, abordando a importância do acolhimento empático no consultório, a atuação educativa frente às estratégias da indústria do tabaco e o papel do Cirurgião-Dentista na articulação com diferentes níveis do sistema de saúde e no fortalecimento das políticas públicas. Acesse o artigo completo neste link.

Por Swellyn França