Odontologia - 12.05.2025
Odontologia é aliada no controle do superfungo Candida auris
Casos identificados em UTIs brasileiras acendem o alerta para a atuação odontológica junto a pacientes de risco

O Candida auris é uma levedura emergente que se tornou um dos maiores desafios recentes no controle de infecções hospitalares. Com alta resistência a antifúngicos, facilidade de colonização de superfícies e impacto direto em pacientes vulneráveis, o fungo tem sido identificado em unidades de terapia intensiva (UTIs) no Brasil, gerando preocupação entre profissionais de saúde e vigilância epidemiológica.
O infectologista Dr. João Nóbrega de Almeida Junior explica que a colonização por C. auris ocorre principalmente em ambientes hospitalares. “Ela é uma levedura que provavelmente se expandiu do ambiente para começar a colonizar os humanos devido ao aquecimento global. Tem uma propensão a desenvolver resistências durante o tratamento e a se espalhar nos ambientes hospitalares, principalmente nas UTIs”, afirma. Segundo ele, a infecção afeta, sobretudo, pacientes graves, imunodeprimidos e com dispositivos invasivos, como cateter venoso central. “Em pessoas saudáveis, ela não causa danos. O profissional de saúde não corre risco. Assim como outras leveduras da pele, o problema está em quem está internado, com imunidade baixa e sob cuidados intensivos.”
Dra. Juliana Franco, Cirurgiã-Dentista Coordenadora do Serviço de Odontologia do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da FMUSP e Cirurgiã-Dentista do Hospital de Clínicas da UNICAMP reconhece que o risco está fortemente associado ao ambiente hospitalar, mas ressalta que a cavidade bucal é um ponto vulnerável e que a Odontologia a tem papel direto na prevenção de infecções oportunistas. “Durante o acompanhamento odontológico de pacientes internados em estado crítico, especialmente em UTIs, torna-se evidente o papel fundamental do Cirurgião-Dentista na prevenção de infecções oportunistas. Em um ambiente onde o sistema imunológico está severamente comprometido, o uso de antibióticos, imunossupressores e outros medicamentos faz com que a cavidade bucal possa se transformar em uma porta de entrada para microrganismos que agravam o quadro clínico”, afirma.
Segundo a Dra. Juliana, a avaliação detalhada da cavidade oral logo após a admissão na UTI é um cuidado essencial para detectar lesões, focos infecciosos e condições predisponentes à proliferação fúngica. “A higiene bucal sistematizada, realizada com escovação mecânica e antissépticos como a clorexidina, reduz significativamente a carga microbiana da mucosa, da língua e dos dentes, inibindo a formação de biofilme — um ambiente ideal para a colonização por fungos, incluindo cepas multirresistentes como Candida auris.”
Além da higiene, a atuação clínica do Cirurgião-Dentista à beira leito inclui remoção de próteses dentárias, tratamento de lesões ulceradas ou necrosadas e uso de hidratantes bucais, especialmente em pacientes sob ventilação mecânica. “Esses cuidados impactam diretamente na redução da incidência de pneumonias, sepses, dos agravos à cavidade bucal e outras complicações graves associadas à hospitalização prolongada”, ressalta.
Rigor na biossegurança e vigilância no consultório odontológico
Nos casos de pacientes imunossuprimidos — independentemente do ambiente —, os protocolos de biossegurança devem ser aplicados com máxima atenção. “O Cirurgião-Dentista precisa adotar uma conduta clínica pautada no rigor absoluto da biossegurança. Cada detalhe do atendimento deve ser planejado com foco na proteção cruzada e no controle da disseminação de microrganismos multirresistentes”, afirma a Dra. Juliana. Isso inclui o uso adequado de EPIs, como avental impermeável, a individualização dos materiais de consumo, a escolha de ambientes adequados (preferencialmente áreas de isolamento) e o descarte seguro dos resíduos, conforme os protocolos de resíduos hospitalares. “O Cirurgião-Dentista também atua como agente ativo de controle de infecção hospitalar”, destaca.
A Cirurgiã-Dentista especialista em Gestão de Saúde e Biossegurança, MBA em Gestão em Saúde e Controle de Infecção Hospitalar, Dra. Mônica Romero complementa que, mesmo no consultório, a prevenção deve ser pensada com seriedade. “O Candida auris é um fungo de pele. Sua transmissão é por contato direto. Por isso, as medidas de gerenciamento de risco são essencialmente preventivas”, explica. Segundo ela, higienizar adequadamente as mãos e o rosto do paciente, especialmente em procedimentos cirúrgicos ou de Harmonização Orofacial, é prudente e eficaz. “Os dois protocolos mais importantes na Odontologia são a higiene da pele e das mãos. A antissepsia deve ser feita antes, durante, e se for o caso, depois do atendimento — inclusive para o paciente.”
Dra. Mônica também chama a atenção para a necessidade de organização da rotina clínica. “A montagem de bandejas com antecedência, o trabalho a quatro mãos e o treinamento da equipe são medidas que ajudam a evitar a contaminação cruzada. Quando o profissional toca uma superfície com uma luva contaminada e depois retorna ao paciente, esse ciclo precisa ser evitado com ergonomia e planejamento”, diz. Como o fungo é altamente resistente, ele pode sobreviver a desinfetantes de uso comum. “Por isso, o ideal é que as superfícies sejam higienizadas com substâncias como peróxido de hidrogênio, que tem maior eficácia. Mas o mais importante é impedir o contato desnecessário com superfícies após o toque em pele ou mucosa.”
No caso de atendimentos a pacientes sabidamente colonizados, mesmo que a situação ainda seja rara no Brasil, o Dr. João Nóbrega reforça a importância das precauções. “É igual ao atendimento de pacientes com fatores de risco. Não há problemas desde que se respeitem as precauções universais e, quando necessário, também as de contato.”
Dra. Juliana enfatiza que o enfrentamento do Candida auris e de outros microrganismos multirresistentes depende de uma Odontologia mais preparada e reconhecida. “Faltam diretrizes clínicas padronizadas, treinamentos regulares e o reconhecimento do papel do Cirurgião-Dentista nas UTIs. Ainda é comum que a Odontologia Hospitalar seja vista como complementar, quando, na verdade, deveria estar integrada à estratégia de segurança do paciente.”
Ela conclui: “Investir na Odontologia Hospitalar é investir em segurança, ciência e dignidade. O futuro do cuidado crítico passa, também, pela boca.”
Por Swellyn França