Odontologia - 24.10.2016
Bichectomia: o que é, quais os prós e os contras
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), em 2014, foram realizadas cerca de dez bichectomias por mês. No ano seguinte, esse número triplicou e, neste ano, já são realizadas mensalmente mais de 40 cirurgias do tipo pelo país.
A bola de Bichat ou “Buccalfatpad” ganhou este nome devido ao anatomista francês Marie François Xavier Bichat (1771-1802), que descobriu que a estrutura é um tecido gorduroso localizado na região das bochechas na frente do músculo masseter e superficial ao músculo bucinador. Sua função é pouco conhecida e acredita-se que, mesmo sendo um tecido gorduroso, seu volume pouco varia com a oscilação de peso, por isso mesmo se tiver o peso ideal, o indivíduo pode ter o rosto arredondado. Devido a sua localização, a bola de Bichat apresenta íntima relação com elementos muito importantes da face como: ramos terminais do nervo facial, ducto parotídeo e vasos sanguíneos.
De acordo com o Cirurgião Plástico e membro titular da SBCP, Eduardo Kanashiro, “a bichectomia é uma cirurgia usualmente estética com o objetivo de melhorar o formato facial através da diminuição da projeção das bochechas. É realizada por meio de uma incisão intraoral de 1 a 2cm, ao nível do segundo molar superior, sob anestesia local, com ou sem sedação”.
O mestre e especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial (CTBMF), Fabio Sevilha, que é membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial (CBCTBMF) e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Toxina Botulínica e Implantes Faciais na Odontologia (SBTI) e também ministra cursos de credenciamento em bichectomia, detalha tratar-se de um procedimento estético/funcional que visa à redução do volume das bochechas aumentando a evidência da proeminência zigomática e o contorno da mandíbula tornando a face mais harmônica e também propõe aumentar o corredor bucal diminuindo trauma em pacientes que costumam ‘morder’ a mucosa jugal.
O corpo adiposo bucal apresenta atividade fisiológica, sendo um coxim mecânico entre os músculos faciais “que pode ainda auxiliar no fechamento de fístulas ou comunicações bucosinusais, ou ainda no recobrimento de enxertos ósseos no aumento da crista óssea alveolar, em casos de implantes”, ensina o periodontista, implantodontista e mestre em Ciências Odontológicas - área de concentração em Clínica Integrada - pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp), Irineu Gregnanin Pedron.
Mestre em Prótese Dentária, especialista em Cirurgia e Estética e ministrador de cursos de bichectomia, Alexandre Morita Cutolo, explica que “a remoção cirúrgica é relativamente simples. O procedimento é feito com anestesia local e o pós-operatório é bem parecido com a extração do terceiro molar. Os resultados começam a aparecer aproximadamente em 15 a 20 dias e a sua remodelação total em 90 dias”.
Cirurgiões-Dentistas podem realizar o procedimento?
Pela finalidade estética, é basicamente a Cirurgia Plástica a área responsável pela realização da bichectomia, embora outras áreas também possam utilizá-la, como a Dermatologia, a Cirurgia Craniomaxilofacial ou Cirurgia de Cabeça e Pescoço. “Os Cirurgiões-Dentistas também podem realizar a técnica desde que devidamente capacitados. Para a capacitação, refiro-me a um curso com carga teórica e clínica condizente com a técnica cirúrgica”, considera Irineu que ainda ressalta que “devemos ponderar e respeitar a curva de aprendizado desta técnica, que não é simples como uma extração dentária. Infelizmente, esses cursos de ‘capacitação’ da técnica de bichectomia em um dia ou dois fazem parte do modismo do mercado, e transmitem uma perspectiva simplista do procedimento cirúrgico”.
Fabio Sevilha lembra que os Cirurgiões-Dentistas estudam de modo geral, quatro a cinco anos de cabeça e pescoço, “sendo uma área amplamente dominada pelo profissional de Odontologia. Além disso, a bola de Bichat já é utilizada na Odontologia muito antes de se falar na bichectomia, tendo como exemplo a utilização de tal gordura para fechamento de fístulas bucosinusais”.
Técnica possui contraindicações e exige cuidados
Alguns especialistas criticam a retirada da bola de Bichat porque ela pode fazer falta no futuro, durante o processo de envelhecimento e, além disso, essa estrutura está localizada em uma área delicada do rosto, em meio a nervos e canais salivares.
O periodontista Irineu Gregnanin alerta para o modismo desta modalidade cirúrgica, bem como em outras técnicas utilizadas na Odontologia como, por exemplo, o uso de preenchedores faciais. “Cursos inadequados pouco alertam sobre as complicações decorrentes desses procedimentos que são, na maioria das vezes, de responsabilidades médica. Particularmente, no processo de envelhecimento, o corpo adiposo bucal aumentará a percepção de ‘emagrecimento facial’, requerendo, por vezes, no futuro, a necessidade
de lipoenxertia”.
Já o mestre em CTBMF, Fabio Sevilha pondera que esse tipo de técnica já vem sendo realizada há muito tempo em outros países como procedimento de rejuvenescimento e harmonização facial. “A gordura de Bichat não tem função estrutural ou de sustentação, sendo diferente dos demais compartimentos de gordura do rosto, cuja absorção causa envelhecimento, portanto sua retirada não fará falta no processo de envelhecimento. Sugere-se que a bola de Bichat possui função apenas no recém-nascido, no auxílio à amamentação e proteção dos ramos bucais do nervo facial, e perde sua função após o crescimento. Muitos falam do perigo de realizar a bichectomia. Na verdade, existem dois riscos onde devemos estar mais atentos que seria a lesão do ducto parotídeo e lesão dos ramos bucais do nervo facial, porém em caso de lesão dos ramos bucais do nervo facial, sua função será suprimida por outros ramos nervosos ao redor da boca”.
Alexandre Morita concorda que a retirada da bola de Bichat não tem uma representatividade significante em relação ao processo natural de envelhecimento. “Cuidados como alimentação saudável, prática de atividades físicas, uso de protetor solar, acompanhamento dermatológico, serão muito mais importantes no envelhecimento facial”, enfatiza. No entanto, ele também ressalva que toda cirurgia possui os seus riscos, que são minimizados com conhecimento anatômico e de técnica. “As principais estruturas nobres, relacionadas com a bichectomia, são o ducto parotídeo, artérias maxilar e facial e o nervo facial. Com a utilização da técnica cirúrgica correta pode-se trabalhar com margem de segurança destas estruturas o que reduz o risco de intercorrências trans e pós-operatórias”.
Já o Cirurgião-Plástico, Eduardo Kanashiro disserta que “quem se incomoda com a bola de Bichat aumentada na juventude vai continuar se incomodando ao envelhecer. O que mudará será o seu posicionamento. Quando jovem, estará localizada mais superiormente e será responsável pelo formato arredondado da face, mas depois vai caindo e passa a deixar o rosto mais quadrado. Portanto, a bola de Bichat aumentada não faz falta na velhice. Realmente o corpo adiposo da bochecha está próximo a estruturas importantes. É preciso conhecer muito bem a anatomia, dominar a técnica cirúrgica e ter muito cuidado para não lesá-las. Um acidente nessa região pode levar a sequelas desastrosas para o paciente e, no mínimo, muito constrangedoras para o cirurgião”.
Kanashiro completa que “além de ser um procedimento que envolve riscos, a bichectomia precisa ser muito bem indicada. É preciso que o profissional tenha treinamento não só para realizar a cirurgia da melhor maneira possível, mas também para saber avaliar qual a real necessidade do paciente. Muitas vezes, e isso não é raro, o paciente que nos procura precisa de tratamentos associados para ter o resultado satisfatório, sejam eles um lifting facial ou mesmo uma simples lipoaspiração da região sub mentual. O paciente não pode ser visto como uma gordurinha isolada. As variações anatômicas são sempre desafiadoras e é por isso que minha preferência é por fazer a bichectomia com sedação. Assim, o paciente fica mais confortável quando preciso explorar mais a região até ficar satisfeito com a remoção. Além disso, o que me preocupa é o manejo de eventuais complicações. Quanto melhor a formação do profissional, mais eficaz será o tratamento no caso de um evento inesperado”.
As contraindicações, conforme Alexandre Morita, podem ser definitivas ou temporárias e são bem parecidas com as de outras cirurgias intraorais. “Pacientes submetidos à radioterapia ou quimioterapia; infecções locais ou sistêmicas; trismo; cardiopatias severas; pacientes sistemicamente não compensados; deficiência de fatores de coagulação; problemas hepáticos e renais graves; dificuldade em alcançar o que o paciente deseja, além de pacientes menores de idade e grávidas”, finaliza.
Fonte: APCD Jornal