Pacientes em foco - 09.09.2025
Traumas dentários em esportes: estudo alerta para falta de prevenção e uso de protetores bucais
Muitos casos ocorrem em esportes de contato ou com alto risco de impacto facial; pesquisadores destacam necessidade de prevenção guiada por cirurgiões-dentistas especialistas em Odontologia do Esporte

Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP identificaram que lesões dentárias traumáticas relacionadas a esportes, apesar de serem comuns, não recebem um manejo clínico padronizado. A partir de oito estudos de caso da Odontologia do Esporte, os autores concluíram que a maior parte dos traumas envolve os dentes anteriores, localizados na região frontal da boca, principalmente os incisivos superiores, devido à sua posição mais exposta durante a prática esportiva.
Entre os tipos de lesão, a fratura foi a mais frequente, seguida pela avulsão (deslocamento) e intrusão dentária. Em nenhum dos casos relatados os atletas utilizavam proteção bucal ou facial.
As fraturas podem envolver apenas o esmalte, o esmalte e a dentina, ou ainda alcançar a polpa dental, podendo também estarem associadas a fraturas dos ossos da face. Enquanto a avulsão e a intrusão são caracterizadas pelo deslocamento dental, no primeiro caso ele se locomove para fora do alvéolo – cavidade em que está inserido – enquanto, no segundo, é empurrada para dentro dele.
Alice Correa Silva Sousa, primeira autora do artigo, destaca que estes foram os tipos de trauma observados nos casos incluídos na revisão, mas lembra que existe uma gama muito mais ampla de lesões dentárias possíveis no esporte.
A revisão sistemática examinou o tratamento de traumas dentários em práticas esportivas publicados entre 2005 e 2024. A idade dos pacientes variava de 9 a 36 anos, e incluiu praticantes de diferentes modalidades.
A professora da Forp aponta que mesmo em situações semelhantes os profissionais da área tomam decisões terapêuticas diferentes, o que pode impactar diretamente o prognóstico do dente e a saúde geral do atleta.
“Ao revisar os relatos de casos disponíveis na literatura, buscamos identificar quais são as estratégias que têm sido aplicadas, quais têm melhores resultados e onde ainda existem lacunas”, explica.
Estudando casos reais
A maior parte dos casos ocorrem em esportes de contato ou com alto risco de impacto facial. Entre os avaliados estão: basquete, em três casos; futebol, em dois casos; e vôlei, golfe e ciclismo, com um caso cada. As lesões ocorreram pelo impacto direto na região facial, seja por contato com outro jogador, queda ou choque com equipamentos.
Nos casos clínicos revisados, os pesquisadores levantaram informações sobre tipo e região do trauma; primeiros socorros aplicados; se era utilizado algum tipo de proteção; quais exames foram realizados e seus diagnósticos; o tratamento adotado e, por fim, os acompanhamentos pós-tratamento.
Alice Sousa destaca que os riscos de trauma orofacial estão presentes em diversas modalidades esportivas, inclusive naquelas tradicionalmente consideradas de menor contato físico, reforçando que tais riscos podem ocorrer em cenários distintos.
Golfe
Entre os estudos, chama atenção a lesão ocorrida durante uma partida de golfe. O paciente, de 9 anos, foi atingido por uma bola que provocou a avulsão do incisivo central esquerdo. O dente foi recolocado em seu alvéolo pela família. No mesmo dia, em atendimento clínico, foi reposicionado e imobilizado pelo cirurgião-dentista. O paciente seguiu em acompanhamento e, ao final do tratamento, o dente avulsionado permaneceu com sua função.
O atendimento imediato é fundamental para aumentar as chances de preservar o dente e evitar complicações. Lesões como luxações e fraturas dentais com exposição pulpar requerem uma intervenção rápida para manter a vitalidade e a viabilidade da estrutura dentária, enquanto para avulsão, ou perda do dente, o tempo decorrido desde o trauma constitui o principal fator para a definição da estratégia do tratamento.
A pesquisadora explica que a demora no manejo pode levar a problemas como necrose pulpar, reabsorção das raízes, perda dentária e comprometimento estético e funcional. Além disso, o tratamento precoce reduz o risco de infecção e favorece a recuperação, permitindo que o atleta retorne mais rapidamente e com segurança às suas atividades esportivas.
Bicicleta
Em outro caso, o paciente, de 15 anos, sofreu avulsão do incisivo lateral superior direito e dos dois incisivos centrais superiores após um acidente de bicicleta. Os dentes foram mantidos em solução salina por volta de 45 dias, porém a ausência de um atendimento clínico imediato impediu que os dentes pudessem ser reimplantados. Foi desenvolvido, então, um mantenedor de espaço funcional removível biológico com os dentes naturais do jovem para uso até que ele atingisse a idade necessária para realização de implantes dentários.
A continuidade do tratamento é essencial para que os dentes e tecidos de suporte se mantenham saudáveis em longo prazo. Alice Sousa destaca que, mesmo com um tratamento inicial bem-sucedido, complicações podem surgir meses ou até mesmo anos após o trauma. “O acompanhamento periódico, com exames clínicos e radiográficos, permite identificar precocemente a necessidade de qualquer intervenção antes que se comprometa o prognóstico do caso”, reforça.
Basquete
Em outro estudo avaliado, um paciente de 21 anos se lesionou durante uma partida de basquete e teve fraturas horizontais nos dentes. O atleta passou por diversos tratamentos até a restauração dental com resina composta. Sete meses após o atendimento, ele sofreu um novo acidente durante um jogo. Desta vez, a terapia recomendada foi a extração de dois dentes previamente reconstruídos.
A principal medida de cuidado é o uso de protetores bucais ou faciais, a depender do esporte praticado. Estas proteções são comprovadamente eficazes na prevenção ou minimização da gravidade dessas lesões. Para Alice Sousa, a baixa adesão a esses equipamentos pode estar relacionada à ausência de orientação, à percepção do atleta de que o risco de acidentes é baixo e à ideia equivocada de que o uso do protetor bucal traria desconforto, interferência na fala ou dificuldade respiratória.
Em muitos contextos, a cultura preventiva ainda não está incorporada ao treinamento esportivo. O uso de protetores é visto como opcional, enquanto deveria ser considerado parte do equipamento básico de segurança, explica a professora.
Ela aponta que a odontologia do esporte está além do tratamento de lesões traumáticas. A especialidade demonstra sua importância também ao orientar e adaptar o uso de equipamentos de proteção, como os protetores bucais personalizados, para maior conforto e segurança dos dentes e tecidos bucais. Segundo ela, é fundamental que cirurgiões-dentistas participem de equipes interdisciplinares visando à preservação da saúde bucal e otimização da performance dos atletas.
A professora da Forp destaca que o termo “atletas” abrange não só profissionais, mas também os armadores, que praticam atividades físicas regularmente – e que também estão sujeitos a lesões dentárias. “Todos estão sujeitos aos riscos e podem se beneficiar das orientações e cuidados desse especialista”, alerta.
Os relatos analisados abrangem diferentes contextos internacionais, incluindo Estados Unidos, Brasil, Sérvia, Itália, Índia e Reino Unido. A International Association of Dental Traumatology (IADT) é responsável pela elaboração e atualização de diretrizes que orientam a prática clínica em âmbito global. Para Alice, a disseminação dessas normas ainda é baixa.
O artigo Management strategies for sport-related traumatic dental injuries: a systematic review based on case reports pode ser acessado aqui.
Fonte: Jornal da USP