Pacientes em foco - 29.01.2018
Pesquisa indica que substância presente na planta do jambu produz efeitos anestésicos e analgésicos
Originário da região amazônica, o jambu (Acmella oleracea) é uma hortaliça muito utilizada na culinária do norte do Brasil, principalmente no Pará, em pratos famosos como o tacacá e o pato no tucupi. Além da alimentação, a planta é usada pelos povos indígenas e ribeirinhos como analgésico e anestésico para tratar aftas, herpes, dores de dente e garganta. Duas outras propriedades conhecidas dessa planta, a de fungicida e de combate a ácaros, despertaram o interesse de alguns pesquisadores com o objetivo de desenvolver medicamentos.
A analgesia é a característica do jambu que atrai maior atenção, tanto nos apreciadores das iguarias, que sentem a dormência na boca durante a refeição, como nos pesquisadores. Já se sabe, desde os anos 1950, que os efeitos anestésicos e analgésicos são provocados pela substância espilantol, embora não existam medicamentos comerciais com essa base. São informações que fizeram o farmacêutico industrial, Rodney Alexandre Ferreira Rodrigues, professor do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolver um filme (película fina) odontológico em colaboração com a mestranda Verônica Santana de Freitas-Blanco.“Nosso objetivo foi produzir um pré-anestésico de uso oral para o paciente suportar a dor da agulha na anestesia”, explica Rodrigues. “Purificamos o extrato da planta e produzimos um filme para incorporar o produto. Hoje, o extrato também está em testes em nosso laboratório para o uso no combate à mucosite – inflamação nas partes internas da boca e da garganta, que é um efeito colateral em pacientes de quimioterapia”.
Rodrigues conta que seu grupo desenvolveu um processo para a obtenção do extrato de jambu com melhor aproveitamento do espilantol. De acordo com ele, o método, já com pedido de patente depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), é mais simples e rápido do que os tradicionais, porque possui poucas etapas e utiliza reagentes atóxicos e mais baratos. “Outra vantagem é que nosso processo de purificação elimina pigmentos verdes da clorofila, que dão uma cor indesejada ao extrato, principalmente para uso cosmético”, destaca Rodrigues. “Essa coloração não é bem-aceita pelo mercado”.
A Unicamp licenciou a patente do processo de extração do extrato de jambu para a empresa Brasil Aromáticos, de São Paulo, que pretende usá-lo em um futuro próximo. Hoje, a empresa compra no mercado, para uso em cosméticos, o quilo do extrato comum, sem purificação, por R$ 10 mil. “Licenciamos a patente e agora estamos verificando a possibilidade de fazer uma fábrica de extratos e incentivar a plantação de jambu aqui na região Sudeste”, conta Raquel da Cruz, sócia-fundadora da Brasil Aromáticos. “Nossa estimativa é de que o preço do quilo fique em torno de R$ 3 mil”.
Contra carrapatos
O processo de produção do extrato de jambu desenvolvido na Unicamp também está sendo usado para a elaboração de produtos acaricidas, capazes de controlar os carrapatos do boi, o Rhipicephalus microplus, e do cavalo, o Amblyomma cajennense, conhecido como carrapato-estrela. O estudo, iniciado em 2015, é do doutorando em ciências biológicas, Luís Adriano Anholeto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, sob a orientação das professoras Maria Izabel Camargo-Matias e Patrícia Rosa de Oliveira.
Os resultados até agora obtidos por Anholeto demonstram que o extrato do jambu afeta as células germinativas dos carrapatos (tanto dos machos como das fêmeas), comprometendo a reprodução desses âcaros. Segundo ele, a partir da obtenção desse novo conhecimento, abre-se a possibilidade de futuramente ser criado um acaricida de origem vegetal. “A ideia é desenvolver um produto que cause menos danos aos animais e ao ambiente do que os disponíveis no mercado”, explica Anholeto.
A pesquisadora da área de sanidade animal, Karina Neoob de Carvalho Castro, da Embrapa Meio-Norte, uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), localizada em Parnaíba (PI), também trabalha em conjunto com o grupo da Unesp e pretende desenvolver um repelente natural com jambu. Os estudos começaram em 2012 e são realizados em parceria com outras unidades da Embrapa e universidades. “Foi produzido um extrato com ação acaricida sobre fêmeas e larvas de carrapato em testes em laboratório”, conta Karina. “Em 2014, mostramos que o extrato prejudica a reprodução de fêmeas de carrapato ingurgitadas – que estão prontas para fazer a postura de 3 mil ovos, em média – com uma eficácia de até 98,2%.” Com isso, a Embrapa pretende desenvolver um repelente com jambu que possa ser utilizado em animais jovens, que são aqueles mais sensíveis aos produtos convencionais.
Sob a liderança da bióloga Ana Carolina Chagas, os pesquisadores vão avaliar a estabilidade de uma formulação nos animais, em análises toxicológicas e testes pré-clínicos. Karina ressalta que muitos produtos vindos da natureza, não sintéticos, necessitam de desenvolvimento de formulações que possam manter a vida útil do repelente em atividade nos animais. A parceria entre a Embrapa e universidades poderá render um repelente inédito produzido com recursos da biodiversidade da Amazônia.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp