Odontologia - 17.10.2025
Pesquisadores da FOB-USP desenvolvem cerâmica odontológica aprimorada com material reciclado
Inovação apresentou desempenho igual ou superior ao de cerâmicas comerciais, aumento das propriedades antimicrobianas e potencial de aplicação futura em próteses dentárias

Pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da Universidade de São Paulo (USP) em Bauru desenvolveram uma cerâmica odontológica aprimorada utilizando material reciclado. Com desempenho igual ou superior às cerâmicas comerciais, aumento das propriedades antimicrobianas e potencial de aplicação futura em próteses dentárias, a inovação acaba de ser premiada em congresso de uma das principais associações científicas internacionais dedicadas à pesquisa em materiais dentários.
As cerâmicas são amplamente utilizadas na Odontologia restauradora e protética. Atualmente, na prática clínica, têm se destacado o uso das cerâmicas conhecidas no meio odontológico como zircônias multicamadas, por oferecerem um equilíbrio entre resistência e a aparência natural dos dentes, fundamentais para restaurações estéticas e funcionais.
A cerâmica aprimorada produzida pelos pesquisadores da FOB-USP tem dois grandes diferenciais: a sustentabilidade, com o reaproveitamento de materiais que seriam descartados; e a inovação, com o desenvolvimento e a associação de um vidro que aprimora sua estrutura, funções e biossegurança.
“Este novo biomaterial é fruto de um trabalho de pós-doutorado, que aperfeiçoou uma técnica desenvolvida pelo nosso grupo de pesquisa para reciclar resíduos de zircônia gerados durante a fabricação digital de próteses dentárias, material que pode ter até 80% de seu volume descartado sem reaproveitamento. A proposta foi transformar esse resíduo em novas cerâmicas multicamadas”, explica Estevam Augusto Bonfante, professor do Departamento de Prótese e Periodontia e coordenador do Núcleo Avançado de Pesquisa Craniofacial e Unidade Investigativa de Mecânica (CraniumLab) da FOB-USP.
Segundo Estevam, a configuração multicamada obtida a partir do material reciclado combina uma camada de alta resistência com outra mais translúcida, responsável pela estética, considerando que resistência e translucidez são propriedades tradicionalmente antagônicas em cerâmicas odontológicas.
“O estudo apresentou também um avanço significativo com o desenvolvimento de um vidro funcional dopado com zircônia, para o recobrimento superficial dessas cerâmicas. Esse vidro inovador atua como camada multifuncional, capaz de reforçar a estrutura, melhorar a integração entre as camadas e conferir propriedades antimicrobianas, reduzindo a adesão bacteriana, uma característica de grande relevância clínica na área de reabilitação oral”, ressalta.
Ainda de acordo com o docente, os resultados mostraram que o material reciclado recoberto com o vidro funcional apresentou resistência igual ou superior às cerâmicas comerciais e reduziu significativamente a adesão bacteriana, sem causar efeitos tóxicos às células.
“Esses novos materiais ainda estão em fase de testes laboratoriais (in vitro), mas os achados representam um avanço importante rumo a uma Odontologia mais sustentável, com materiais de alta performance e potencial aplicação em próteses e estruturas implantossuportadas, contribuindo para reduzir o impacto ambiental e aumentar a durabilidade e segurança clínica. Além disso, no futuro, esses avanços podem ajudar a tornar tratamentos dentários mais acessíveis para a população e, eventualmente, até mesmo contribuir para o aperfeiçoamento de políticas públicas, propiciando subsídios para que esses novos materiais possam ser incorporados pelo Sistema Único de Saúde”, destaca Estevam, que também é orientador da pesquisa de pós-doutorado.
Prêmio internacional
O trabalho que resultou na inovação, intitulado “Zircônia multicamada reciclada funcionalmente aprimorada por gradação de vidro antimicrobiano dopado com zircônio”, de autoria do pós-doutorando da FOB-USP Ernesto Byron Benalcázar Jalkh, foi o vencedor do Prêmio Marshall de Pós-Doutorado, concedido pela Academia de Materiais Dentários (ADM, na sigla em inglês), durante a sua conferência anual de 2025, realizada entre os dias 1º e 4 de outubro, no Panamá. O trabalho contou ainda com desenvolvimento do engenheiro químico Tiago Moreira Bastos Campos – que realizou pós-doutorado na FOB-USP – e participação de colaboradores do Brasil e do exterior.
Esta é a segunda vez consecutiva que um pós-doutorando da FOB-USP recebe o Prêmio Marshall de Pós-Doutorado, e também a segunda vez que uma Universidade brasileira o recebe. Neste ano, inclusive, dois pós-doutorandos da Faculdade de Odontologia de Bauru estiveram entre os três finalistas.
O outro trabalho finalista, “Adesão de uma zircônia reciclada infiltrada por vidro ao titânio: condicionamento ácido e desempenho do cimento à base de QAM” – um composto químico que propicia propriedades antibacterianas a resinas e cimentos odontológicos –, é de autoria do pós-doutorando Henrico Badaoui Strazzi Sahyon.
Em outubro de 2024, o trabalho vencedor do Prêmio Marshall de Pós-Doutorado – intitulado “Processamento otimizado e caracterização de uma zircônia reciclada” – também foi de autoria de pós-doutoranda da FOB-USP, Larissa Alves, sendo a primeira vez que uma Universidade brasileira recebeu a premiação da ADM, durante a conferência anual que foi realizado na Itália.
Os pesquisadores premiados e o finalista são pós-doutorandos do Departamento de Prótese e Periodontia e integrantes do CraniumLab da FOB-USP, coordenado pelo professor Estevam Bonfante. Os estudos desenvolvidos contam com fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Ciência de ponta
Segundo o docente, essas conquistas representam um marco importante para a FOB-USP e para a pesquisa brasileira nas áreas de Prótese e de Materiais Dentários. “O reconhecimento internacional por uma das principais academias científicas do mundo na área demonstra que a ciência desenvolvida no Brasil está em sintonia com o que há de mais avançado globalmente, tanto em qualidade quanto em relevância”, avalia Estevam.
“Para a FOB-USP, esse reconhecimento é reflexo direto do compromisso da instituição com a excelência acadêmica, com a formação de pesquisadores altamente qualificados e com inovações que impactem positivamente a qualidade de vida da população. As premiações evidenciam não apenas o talento individual dos pesquisadores, mas também o resultado de um ambiente acadêmico que valoriza a colaboração interdisciplinar e internacional e do apoio contínuo de agências de fomento como a Fapesp, decisivo para ampliar o alcance, a qualidade e a visibilidade da pesquisa brasileira no cenário global”, pontua.
“Já para a pesquisa nacional, evidencia a capacidade de liderança científica e o impacto que grupos brasileiros vêm conquistando em áreas estratégicas, como a ciência de materiais e a odontologia restauradora”, completa o docente.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Campus USP de Bauru | Texto de Tiago Rodella