Odontologia - 26.10.2024
O papel fundamental da saliva na saúde bucal e geral
Além de proteger a cavidade oral, a saliva é vital para a digestão, na defesa contra microrganismos e para diagnósticos modernos
A saliva é uma substância essencial que, apesar de sua importância, frequentemente não recebe a devida atenção nas discussões sobre saúde bucal e bem-estar geral. Além de ser crucial para a digestão, a saliva atua como um protetor dos tecidos orais, ajuda na remineralização dos dentes e desempenha uma função vital na defesa contra microrganismos patogênicos.
De acordo com a Cirurgiã-Dentista, doutora em Odontologia pela Boston University e professora da Universidade Cruzeiro do Sul, Dra. Débora Heller, uma boa produção salivar é fundamental para prevenir problemas bucais, como lesões de cárie e doenças periodontais. Ela explica que a saliva é vital para a manutenção da saúde bucal. "Sua presença é indispensável para a proteção dos tecidos orais e para facilitar diversas funções que acontecem na boca", afirma. Entre suas principais funções estão:
- Lubrificação e Proteção: A saliva reveste a mucosa oral, protegendo-a contra irritações mecânicas, térmicas e químicas. Além disso, facilita a fala e a deglutição;
- Reservatório Iônico: É supersaturada em íons cálcio e fosfato, essenciais para a remineralização dentária;
- Função Tampão: Neutraliza o pH bucal através de sistemas de tamponamento, principalmente o ácido carbônico/bicarbonato;
- Limpeza: O fluxo contínuo de saliva ajuda na remoção de restos de alimentos e microrganismos, essencial para o equilíbrio microbiano saudável;
- Atividade Antimicrobiana: Contém proteínas que inibem o crescimento de bactérias, vírus e fungos, como imunoglobulinas e lisozima;
- Cicatrização: Possui propriedades curativas que aceleram a regeneração dos tecidos orais;
- Digestão e Paladar: Contém a enzima amilase, que inicia a digestão de amidos, e atua como solvente, facilitando a interação dos alimentos com as papilas gustativas.
A saliva é, sem dúvida, uma das principais defensoras da saúde bucal e sistêmica, tendo um importante papel na prevenção de doenças e no bem-estar geral do paciente. A professora associada do Departamento de Biomateriais e Biologia Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP), Dra. Alyne Simões, ressalta que manter a produção salivar em níveis normais contribui para a qualidade de vida das pessoas, pois favorece as funções orais normais como fala, mastigação, paladar e o início do processo de digestão dos alimentos. “Além disso, pacientes que possuem xerostomia (sintoma de boca seca) podem também apresentar prejuízos sociais, por não se sentirem confortáveis em desenvolver atividades rotineiras, devido à secura na cavidade oral.”
A redução do fluxo salivar pode levar a dificuldades na higiene oral, infecções frequentes e até mesmo ao desgaste dentário. “A produção salivar também tem um impacto direto no desenvolvimento de lesões de cárie e doenças periodontais. Pacientes que apresentam baixo fluxo salivar estão mais suscetíveis às lesões de cárie e à doença periodontal, pois diversos componentes salivares, protetores para os dentes e periodonto, estão em menor concentração na cavidade oral quando o fluxo é baixo. “Além disso, como a saliva é composta em sua maior parte de água, a sua capacidade de limpeza da cavidade oral, para remoção de restos de alimentos e microrganismos, fica reduzida”, ensina a Profa. Alyne.
Condições que afetam o fluxo salivar
Diversas condições médicas podem impactar o fluxo salivar, como a síndrome de Sjögren, que é uma das mais conhecidas. A Dra. Heller menciona que outras condições, como diabetes, doenças neurodegenerativas e efeitos colaterais de medicamentos, também podem resultar em boca seca. "É essencial que os Cirurgiões-Dentistas reconheçam essas condições e estejam atentos aos sinais de xerostomia", alerta.
Estudos recentes indicam que mais de 40% dos medicamentos em uso atualmente podem causar xerostomia. Por isso, é fundamental que os profissionais de saúde monitorem essa condição, especialmente em pacientes que utilizam múltiplas medicações.
“Tratamentos oncológicos também podem causar hipofunção das glândulas salivares, como radioterapia de cabeça e pescoço, quimioterapia e iodoterapia. Pacientes irradiados na região de cabeça e pescoço, por causa de um câncer nesta área, podem apresentar o fluxo salivar praticamente zerado após o tratamento, mostrando a importância desses pacientes serem acompanhados por um Cirurgião-Dentista, antes, durante e após o tratamento oncológico”, alerta a Dra. Alyne.
Exames e diagnósticos
A Dra. Heller enfatiza a importância de exames específicos para avaliar a função salivar. "A avaliação do histórico médico e odontológico do paciente é essencial", afirma. Há questionários validados que podem ser aplicados a todos os pacientes, independentemente de queixas iniciais. A medição do fluxo salivar, tanto não estimulado quanto estimulado, é uma prática comum e útil no diagnóstico.
Além disso, a Dra. Alyne explica que o Cirurgião-Dentista, através da anamnese, pode analisar os sinais de hipossalivação (como queilite angular, perda do brilho da mucosa, mucosa rachada e seca, língua fissurada, etc.), e, se necessário, realizar encaminhamentos para um médico especialista, contribuindo para o diagnóstico de uma condição sistêmica que está causando a hipossalivação.
Tratamentos para xerostomia
O manejo da xerostomia deve ser personalizado, conforme aponta a Dra. Heller. "A educação do paciente é um dos pilares", destaca. Medidas incluem:
- Educação e Higiene Oral: Enfatizar a importância da higiene oral e consultas regulares;
- Gerenciamento de Condições Sistêmicas: Colaboração com médicos para revisar medicamentos e condições que possam afetar a salivação;
- Tratamentos Farmacológicos: Uso de estimulantes salivares, como sialagogos, para aumentar a produção salivar.
Recentemente, novas abordagens, como a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) e terapia a laser de baixa intensidade, têm mostrado potencial no manejo da hipossalivação.
Saliva como ferramenta diagnóstica
Na Odontologia moderna, a saliva está sendo utilizada como uma ferramenta diagnóstica para doenças sistêmicas. "Sua coleta é fácil, barata e pouco invasiva, o que a torna uma excelente alternativa para biomarcadores", explica a Dra. Heller. O avanço dos estudos sobre o proteoma, metaboloma e microbioma salivares tem permitido diagnósticos mais precisos e personalizados.
Em um mundo onde a saúde bucal é cada vez mais reconhecida como parte integrante da saúde geral, a saliva se destaca como um aliado crucial. "Entender a importância da saliva é fundamental para oferecermos um tratamento eficaz e cuidados preventivos aos nossos pacientes", conclui a Dra. Heller.
Por Swellyn França