Odontologia - O papel do Cirurgião-Dentista no diagnóstico e tratamento de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

Odontologia - 21.02.2025

O papel do Cirurgião-Dentista no diagnóstico e tratamento de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico

Doença autoimune pode apresentar manifestações orais que afetam a qualidade de vida dos pacientes

As manifestações bucais podem ser os primeiros sinais e sintomas clínicos do paciente com lúpus
As manifestações bucais podem ser os primeiros sinais e sintomas clínicos do paciente com lúpus

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica e autoimune que pode comprometer diversos órgãos e sistemas, com graus variados de gravidade, incluindo a cavidade oral. Evolui com períodos de atividade intercalados com remissão e decorre de um desequilíbrio do sistema imunológico, levando à produção de autoanticorpos que atacam várias estruturas do organismo. Essa reação imune exacerbada resulta em inflamações e disfunção orgânica, afetando diretamente a saúde bucal.

Segundo a reumatologista Dra. Nafice Costa Araujo, membro da comissão de LES da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), “lesões orais estão entre os achados mais comuns em pacientes com lúpus e podem alertar para o diagnóstico precoce desta condição. Os locais de maior ocorrência na cavidade oral são mucosa jugal, palato, lábios e língua. As lesões orais podem se apresentar clinicamente como ulceração, lesões discóides, placas eritematosas, queilite angular e lesões liquenóides. As úlceras orais são as mais frequentes, sendo indolores e ocorrendo em mais de 40% dos casos. Os pacientes também podem apresentar ardência na cavidade oral, xerostomia e doença nas glândulas salivares, principalmente quando apresentam Doença de Sjögren associada”.

Além disso, há evidências científicas de que pacientes com LES apresentam uma maior predisposição à doença periodontal, especialmente aqueles que fazem uso prolongado de imunossupressores e glicocorticoides. “A doença periodontal pode evoluir para infecção generalizada e representar um risco aumentado para pacientes imunossuprimidos, sendo essencial a prevenção e o acompanhamento odontológico contínuo”, alerta a reumatologista.

Manifestações orais do LES e os desafios para a Odontologia

Segundo a Cirurgiã-Dentista do Serviço de Odontologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, Dra. Juliana Bertoldi Franco, que é presidente da Câmara Técnica de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), “as manifestações bucais podem ser os primeiros sinais e sintomas clínicos do paciente, em que muitas vezes não apresentam o diagnóstico médico da doença. Lesões ulceradas devem ser biopsiadas pelo Cirurgião-Dentista, pois apresentam diagnóstico diferencial de outras doenças imunomediadas. A identificação precoce dessas manifestações é crucial para o manejo adequado do paciente com LES e para o encaminhamento ao reumatologista”.

“As manifestações bucais mais frequentemente associadas ao LES incluem úlceras orais, síndrome de Sjögren secundária, que pode causar hipossalivação e candidíase oral, e artrite da articulação temporomandibular (ATM), levando a quadro álgico e limitação da abertura bucal. A hipossalivação também pode desencadear outras complicações, como glossodínia (sensação de ardência na língua), língua fissurada e queilite angular, tornando fundamental o manejo adequado desses sintomas. A orientação sobre a dieta também é essencial, pois alimentos ácidos, condimentados e gaseificados podem agravar o desconforto oral e aumentar o risco de lesões”, ressalta a Dra. Juliana Franco.

O impacto dos imunossupressores e a importância da abordagem interdisciplinar

Pacientes com LES frequentemente fazem uso de corticoides e imunossupressores, o que pode comprometer a cicatrização, aumentar o risco de infecções e impactar diretamente na saúde bucal. “Essas medicações aumentam o risco de infecções oportunistas orais, como bacterianas, fúngicas ou virais, sendo necessário o acompanhamento do Cirurgião-Dentista para diagnóstico e tratamento adequado. Além disso, retardam o processo de cicatrização, o que exige uma abordagem cautelosa nos procedimentos odontológicos”, explica a Dra. Juliana.

A Dra. Nafice reforça que “os glicocorticoides ainda são essenciais no tratamento do LES, especialmente nos quadros agudos. No entanto, com o uso prolongado, os pacientes apresentam vários efeitos adversos, como susceptibilidade a processos infecciosos, retardo na cicatrização, osteoporose e doença periodontal. O acompanhamento odontológico regular é fundamental para reduzir esses impactos e melhorar a qualidade de vida desses pacientes”.

Outra complicação comum é a xerostomia, que aumenta o risco de lesões de cárie e infecções fúngicas. “Pacientes com lúpus frequentemente relatam boca seca devido ao comprometimento das glândulas salivares ou como efeito colateral de medicamentos. Para minimizar os impactos, é fundamental manter uma boa higiene bucal, estimular a salivação com gomas de mascar sem açúcar e, quando necessário, utilizar medicamentos sialogogos, prescritos em conjunto com o reumatologista”, recomenda a Dra. Juliana Franco.

Diante desses desafios, a integração entre reumatologistas e Cirurgiões-Dentistas é essencial para o manejo do LES. “Uma equipe interdisciplinar permite uma abordagem mais eficaz, monitorando tanto as manifestações sistêmicas quanto as orais da doença. A presença de focos de infecção na cavidade oral pode exacerbar a doença e reduzir a resposta ao tratamento farmacológico”, ressalta a Dra. Juliana Franco.

“O acompanhamento odontológico deve ser realizado regularmente, com visitas semestrais ao Cirurgião-Dentista. Esse cuidado não só previne complicações bucais, mas também melhora a saúde geral do paciente com LES, promovendo maior bem-estar e qualidade de vida”, reforça a reumatologista Dra. Nafice.

Por fim, a Dra. Juliana afirma que “apesar da relevância dessas manifestações orais, ainda há uma carência de estudos mais abrangentes sobre o tema. A Odontologia precisa estar em constante atualização para compreender melhor os impactos do LES na cavidade oral e desenvolver estratégias mais eficazes de manejo dessas complicações”.

Por Swellyn França