Odontologia - 28.07.2025
O papel do Cirurgião-Dentista na prevenção das hepatites virais
Mesmo com a redução nas notificações, o risco de exposição exige atenção permanente — reforçando a importância da biossegurança, da educação em saúde e da integração com a rede de vigilância

As hepatites virais continuam a figurar entre os grandes desafios da saúde pública. Segundo o Relatório Global sobre Hepatites da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2024, cerca de três mil pessoas morrem diariamente no mundo em decorrência da doença. No Brasil, de 2000 a 2022, foram confirmados 750.651 casos, sendo 39,8% de hepatite C, 36,9% de hepatite B e 22,5% de hepatite A. Apesar das campanhas de prevenção, testagem e vacinação, as hepatites virais seguem como infecções silenciosas, frequentemente assintomáticas, o que dificulta o diagnóstico precoce e favorece a subnotificação.
Para o consultor técnico da Coordenação-Geral de Vigilância das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dr. José Nilton Neris Gomes, é fundamental que o Cirurgião-Dentista adote medidas de biossegurança em sua rotina profissional — como a correta esterilização dos instrumentos odontológicos em autoclaves, o uso de equipamentos de proteção individual conforme a legislação vigente, o cumprimento do esquema vacinal completo contra hepatite B e, quando indicado, a vacinação contra hepatite A. Ele também reforça a importância da testagem periódica para as hepatites B e C.
“Embora o Cirurgião-Dentista seja um profissional estratégico na identificação de fatores de risco, na orientação preventiva e no encaminhamento adequado, sua atuação na educação sobre hepatites virais ainda é pouco explorada”, destaca. Para o especialista, falta a inclusão sistemática de ações educativas sobre hepatites em ambientes odontológicos e na formação universitária, bem como protocolos que incentivem o profissional a abordar vacinação, testagem e práticas sexuais seguras com seus pacientes.
Além disso, Dr. José Nilton observa que ainda há pouca articulação entre os serviços odontológicos e a vigilância epidemiológica, o que enfraquece a atuação do setor na identificação precoce de casos e na prevenção. “O Cirurgião-Dentista muitas vezes atua de forma isolada, sem conexão com o cuidado integral. É fundamental promover sua integração com a rede de atenção primária e as ações de vigilância”, reforça.
O coordenador-geral de Vigilância das Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dr. Mário Peribañez González, enfatiza a importância das diretrizes técnicas contidas no Protocolo Clínico de Hepatite B (2023) e no guia “ABCDE das Hepatites Virais” (2024), ambos elaborados pelo Ministério. Esses documentos recomendam práticas essenciais como a esterilização correta de materiais, o uso adequado de EPIs e a vacinação contra hepatite B, além da testagem periódica para hepatites B e C.
Segundo o protocolo, os profissionais da saúde bucal que vivem com hepatite B devem observar recomendações específicas: quando realizam procedimentos de maior risco, devem estar em tratamento, mesmo sem preencher os critérios tradicionais, visando a atingir níveis indetectáveis ou muito baixos de HBV-DNA. Também devem conhecer e aplicar rigorosamente as medidas de prevenção e controle de infecções, além de relatar imediatamente qualquer quebra de barreira ou exposição do paciente a agentes infecciosos. “O PCDT de Hepatite B e coinfecções é amplo e orientado a todos os profissionais de saúde. Cabe ao dentista adotar plenamente as medidas de biossegurança e atuar como agente de prevenção dentro da equipe de saúde”, afirma o Dr. Mário.
Ele também destaca a necessidade de reforço contínuo das boas práticas de biossegurança, especialmente no combate à subnotificação de acidentes com material biológico. Para ele, a articulação da Odontologia com a vigilância epidemiológica e com os programas de hepatites virais é um passo importante para ampliar a eficácia das ações preventivas.
Prevenção, biossegurança e cultura de segurança
Para a Profa. Dra. Soraia Marangoni, membro da Comissão Temática de Biossegurança do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP) e coordenadora do curso de Odontologia da Universidade de Franca (UniFran), a biossegurança precisa ser uma prática permanente, independente das variações no número de casos. “As medidas de precaução padrão promovem a redução do risco ocupacional e devem ser usadas na assistência em saúde para todos os pacientes”, afirma. Ela reforça a importância da higienização das mãos, vacinação ocupacional atualizada, uso de equipamentos de proteção individual, prevenção de acidentes com exposição a material biológico e correta desinfecção de superfícies e equipamentos.
Dra. Soraia chama a atenção para descuidos comuns no dia a dia dos consultórios, como o uso inadequado ou a ausência de EPIs — especialmente os óculos de proteção — e o descarte incorreto de resíduos, além do manuseio inadequado de perfurocortantes. “A ausência dos óculos de proteção, por exemplo, já caracteriza um acidente ocupacional envolvendo exposição a material biológico potencialmente infectante — o que exige registro e notificação”, alerta.
Para manter a biossegurança como prioridade, ela destaca a importância de treinamentos periódicos, conhecimento atualizado da legislação e revisão contínua dos protocolos de segurança. “Da mesma forma que nos atualizamos nas melhores técnicas e inovações, devemos nos atualizar em como gerenciar riscos. Investir em treinamento é o primeiro passo para a cultura de segurança nos ambientes de saúde.”
A prevenção das hepatites virais, portanto, vai muito além da testagem e do diagnóstico. Depende do compromisso permanente do Cirurgião-Dentista com a biossegurança, a educação em saúde e a integração com as redes de vigilância e atenção integral à saúde. O conhecimento e a atitude do profissional fazem toda a diferença na segurança da prática clínica e na prevenção das hepatites virais.
Por Swellyn França