Odontologia - Novembro Azul: cuidado integral ao homem com câncer de próstata inclui atenção odontológica especializada

Odontologia - 27.11.2025

Novembro Azul: cuidado integral ao homem com câncer de próstata inclui atenção odontológica especializada

Diante das terapias cada vez mais sofisticadas e das complexidades clínicas associadas ao câncer de próstata avançado, a saúde bucal deixa de ser periférica e passa a integrar o cuidado oncológico de maneira central

Cirurgião-Dentista assume papel clínico relevante na jornada do paciente oncológico
Cirurgião-Dentista assume papel clínico relevante na jornada do paciente oncológico

Com cerca de 72 mil novos casos estimados por ano no Brasil, o câncer de próstata é o tumor mais incidente entre homens e permanece no centro das ações do Novembro Azul. As campanhas de conscientização têm surtido efeito: o receio de ir ao urologista, do exame de toque, historicamente apontado como barreira à prevenção, perdeu força. “As pessoas querem ser vistas, querem fazer o PSA. Às vezes o paciente chega e reclama que o médico não o examinou”, observa o urologista Dr. Stênio de Cássio Zequi, líder do Centro de Referência em Tumores Urológicos do A.C.Camargo Cancer Center.

O desafio atual está no acesso. Dos 214 milhões de brasileiros, cerca de 53 milhões dispõem de saúde suplementar e conseguem realizar exames, consultas e biópsias com relativa facilidade, o que favorece o diagnóstico em estágios iniciais. Para a maioria, atendida pelo Sistema Único de Saúde, o percurso é mais longo: dificuldade para agendar exames, deslocamentos de centenas de quilômetros para procedimentos que poderiam ser realizados em nível secundário e demora que permite à doença avançar.

Estudos conduzidos pelo Dr. Stênio ao longo de duas décadas confirmam essa disparidade. Um levantamento epidemiológico realizado em 2004 com 110 urologistas paulistas já demonstrava que pacientes do SUS chegavam com taxas significativamente maiores de doença metastática — quando o câncer atinge ossos ou linfonodos e deixa de ser curável. Um trabalho recente, publicado em revista internacional a partir de dados do Datasus, citado pelo Dr Stênio, mostra que o cenário persiste, com recorte também racial: “Homens negros apresentam maior incidência e tumores mais agressivos, padrão observado mundialmente, mas agravado no Brasil pelas barreiras de acesso”, explica o especialista.

O impacto é clínico e econômico. “Tratar doença avançada com hormonioterapia e novos medicamentos pode custar duas ou três vezes mais que uma cirurgia ou radioterapia curativa. Esse atraso no diagnóstico onera todo o sistema”, completa o urologista.

Onde entra a Odontologia

Quando o diagnóstico ocorre tardiamente, o tratamento tende a ser mais agressivo — e suas repercussões sistêmicas têm expressão direta na cavidade oral. É nesse ponto que o Cirurgião-Dentista assume papel clínico relevante na jornada do paciente oncológico.

Nos estágios avançados do câncer de próstata, metástases ósseas são frequentes, e o protocolo padrão inclui medicamentos antirreabsortivos como bisfosfonatos e denosumabe. Essas terapias reduzem dor e previnem eventos esqueléticos graves, mas estão associadas a uma complicação séria: a osteonecrose dos maxilares (MRONJ). A estomatologista Dra. Graziella Chagas Jaguar, do A.C.Camargo Cancer Center, situa o risco entre 1% e 2% para bisfosfonatos endovenosos de uso mensal, com incidência semelhante para denosumabe em tratamentos prolongados. O risco persiste mesmo após a suspensão do medicamento, já que os bisfosfonatos permanecem incorporados ao tecido ósseo por anos, alterando o processo de remodelação.

Segundo a doutora, “extrações dentárias e instalação de implantes figuram entre os principais desencadeadores da osteonecrose”. Por isso, as recomendações baseadas em evidências são diretas: avaliação odontológica completa antes do início da terapia; extração prévia de dentes irrecuperáveis; e, durante e após o tratamento, máxima cautela com procedimentos invasivos. “Com prevenção adequada, o risco de osteonecrose diminui significativamente, permitindo um tratamento oncológico mais seguro”, reforça.

Xerostomia nas terapias de última geração

Além das terapias antirreabsortivas, novos tratamentos radioisotópicos representam avanço importante no manejo do câncer de próstata metastático resistente à castração. O ¹⁷⁷Lu-PSMA-617, radiofármaco que combina um ligante direcionado ao PSMA com o emissor beta Lutécio-177, demonstra eficácia expressiva, mas traz um efeito adverso que exige atenção do Cirurgião-Dentista: a toxicidade das glândulas salivares.

Xerostomia, disgeusia e desconforto oral são manifestações frequentes — a ponto de a toxicidade salivar ser considerada o principal efeito colateral limitante da dose nas terapias alfa direcionadas ao PSMA. O impacto vai além do desconforto: pode comprometer nutrição, fala, sono e até a adesão ao tratamento. Os mecanismos de captação pelas glândulas ainda não são totalmente compreendidos, e estratégias preventivas eficazes permanecem em investigação.

Nessas situações, o acompanhamento odontológico assume papel central. “Cabe ao profissional identificar sinais precoces de hipofunção salivar, manejar candidíase e outras alterações de mucosa, orientar hidratação e medidas de conforto”, explica a Dra. Graziella. “Essa atuação integrada melhora a qualidade de vida, reduz complicações e contribui para a continuidade segura da terapia oncológica.”

Homens chegam ao tratamento com mais alterações bucais — e isso muda o risco

A estomatologista chama atenção para um agravante comportamental: “Homens procuram menos os serviços de saúde, incluindo atendimento odontológico. Chegam ao tratamento oncológico com maior prevalência de periodontite, lesões de cárie extensas, infecções crônicas e próteses mal adaptadas”. Somam-se fatores como maior incidência de tabagismo e etilismo. O resultado é maior risco de dor, infecções, cicatrização comprometida e osteonecrose.

O Dr. Stênio reforça que a Odontologia também tem papel estratégico na prevenção. “O Cirurgião-Dentista conhece a família, acompanha o paciente por anos. Tem proximidade e confiança para estimular o homem a olhar para sua saúde, perguntar se já fez o PSA, se foi ao médico. Essa atuação é muito valiosa.”

Cuidado integral no Novembro Azul

O Novembro Azul convida a pensar o homem de forma integral. Diante das terapias cada vez mais sofisticadas e das complexidades clínicas associadas ao câncer de próstata avançado, a saúde bucal deixa de ser periférica e passa a integrar o cuidado oncológico de maneira central.

“A Odontologia é parte essencial da segurança do tratamento”, considera a Dra. Graziella.

“Estamos todos no mesmo time — e o Cirurgião-Dentista tem papel decisivo para que esse homem chegue antes, se trate melhor e viva com mais qualidade”, resume o Dr. Stênio.

Por Swellyn França