Odontologia - 23.05.2018
Endocardite infecciosa: da boca ao coração
Sabe-se que a boca é uma verdadeira concentração de bactérias que se fixam na superfície dos dentes, nas próteses ou na própria mucosa, formando o biofilme. Logo, os perigos que cercam aqueles que pouco se interessam pelos métodos de prevenção da boca são inúmeros. Contudo, esses microrganismos, se acumulados, podem desencadear problemas em outras partes do corpo, como o coração a partir da bacteriemia. Considerando essa perspectiva, a falta de cuidados com a saúde bucal levam ao acúmulo de bactérias, bactérias essas, que podem cair na corrente sanguínea durante um procedimento cirúrgico ou a partir da ferida da gengivite ou periodontite, chegando ao coração e se instalar em uma válvula, gerando a endocardite infecciosa.
De acordo com professor titular do Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial e Periodontia da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (USP), Valdemar Mallet da Rocha Barros, “a endocardite infecciosa é uma doença cardíaca rara, porém grave e algumas vezes fatal, apesar dos modernos tratamentos clínicos com antimicrobianos ou cirúrgicos”.
Os principais fatores de risco da doença são as lesões do endocárdio, provocadas por doenças congênitas ou adquiridas, onde incide a deposição de plaquetas e de fibrina, colonização bacteriana e posterior disseminação da infecção por via sanguínea (bacteriemia). Essa bacteriemia pode advir da entrada de bactérias no sistema circulatório como consequência de cirurgia bucal ou procedimentos odontológicos que envolvam sangramento. Valdemar acrescenta ainda que “infecções das válvulas cardíacas ou do endocárdio, frequentemente relacionadas a um defeito cardíaco congênito ou adquirido, podem também causar a doença”.
Classificada em aguda ou subaguda, que expressa a severidade da doença e seu tempo - de acordo com a virulência dos microrganismos envolvidos -, admite-se que 1 a 8 casos de endocardite infecciosa surgem devido à manipulação odontológica de pacientes cardiopatas, cujas cardiopatias favorecem a sua ocorrência, como é o caso da febre reumática. “Desse modo, o atendimento odontológico do paciente com história prévia de febre reumática sem as devidas precauções pode representar risco para alguns deles devido à possibilidade de contrair endocardite infecciosa decorrente de bacteriemia durante o procedimento odontológico, pois a doença constitui a principal causa de dano cardíaco antes dos 50 anos de idade. Contudo, a lesão cardíaca irreversível pode ser encontrada entre 30% a 80% das pessoas acometidas pela doença”, aponta o especialista.
Segundo Valdemar, “em caso de coração previamente lesado, microrganismos de baixa virulência como os estreptococos viridans podem causar a infecção, particularmente em válvulas cardíacas deformadas. Nesses casos a doença se manifesta de forma insidiosa (endocardite subaguda) e tem evolução de semanas ou meses.” Conforme alguns estudos que o Cirurgião-Dentista fez, “qualquer procedimento cirúrgico pode produzir bacteriemia, e se elas não são detectadas em 100% dos casos, provavelmente, ocorreram falhas no método empregado para a sua evidenciação”, conta.
Incidência da bacteriemia na endocardite
A bacteriemia é a presença de bactérias na corrente sanguínea. Pode ocorrer de forma espontânea, durante algumas infecções teciduais, em consequência do uso de cateteres geniturinários ou intravenosos, ou depois de procedimentos dentários, gastrintestinais, geniturinários, cuidados com feridas, ou outros procedimentos. A bacteriemia pode causar infecções metastáticas, incluindo endocardite, especialmente nos pacientes com anormalidades valvares cardíacas.
Encontrada na cavidade oral, o professor destaca também que “ela é transitória, assintomática, de curta duração e não tem significado clínico importante em indivíduos normais, pois o inoculo é pequeno e a virulência dos microrganismos envolvidos é baixa. Entretanto, se torna potencialmente perigosa nos pacientes com doença cardíaca reumática e portadores de próteses cardíacas. Às vezes fica inviável e difícil o estabelecimento do relacionamento entre o procedimento odontológico e a endocardite infecciosa, uma vez que o período decorrido desde o procedimento odontológico até o aparecimento de sintomas de endocardite é variável. O aparecimento dos sintomas ocorre uma semana após o atendimento odontológico em 45% dos casos, um mês após em 75% e dez semanas após em 96% deles”.
De acordo com a literatura, o principal microrganismo encontrado na bacteriemia de origem bucal é o estreptococos viridans, como citado acima, que prevalece na cavidade bucal, e é encontrado em 80% das endocardites bacterianas subagudas e em 50% de todos os casos de endocardites. Valdemar enfatiza que “relatos da literatura demonstram que 50% dos casos de endocardite infecciosa são provocados por S.viridans, particularmente pelos S.mutans e S.sanguis. Bacteriemia transitória, adesão de microrganismos às válvulas cardíacas e formação de vegetações de bactérias são reconhecidos como eventos fundamentais na patogênese da endocardite infecciosa. Assim, bacteriemia proveniente de procedimentos odontológicos é potencialmente perigosa nos pacientes com doença cardíaca reumática e naqueles portadores de próteses cardíacas”.
Visando a prevenção da possível ocorrência de endocardite infecciosa pós-tratamento odontológico cirúrgico em pacientes acometidos da doença cardíaca reumática ou prótese cardíaca, o especialista menciona que “é de fundamental importância a realização de adequada antissepsia pré-operatória e antibioticoterapia profilática preconizada pela American Heart Association (AHA). Assim sendo, a antissepsia pré-operatória visa diminuir a um mínimo irredutível o número de microrganismos da cavidade bucal, em especial o número de estreptococos do sulco gengival”, diz. O método avaliado e preconizado pela área de cirurgia da Forp-USP consiste em: dois bochechos com 15 mL de cloreto de cetilpiridínio a 50% durante um minuto intercalados pela limpeza das faces dentais e dorso da língua com peróxido de hidrogênio a 3% utilizando haste de algodão. “Considerando a antibioticoterapia profilática, a AHA recomenda para adultos dois gramas de amoxicilina por via oral uma hora antes do procedimento ou 600 mg de clindamicina por via oral em casos de alergia à penicilina”, esclare Valdemar.
Assim, a prevenção da endocardite infecciosa é de grande importância, particularmente em indivíduos de alto risco como os doentes cardíacos reumáticos, portadores de próteses valvares, shunts ou condutos sistêmico-pulmonares, passado de endocardite e cardiopatia congênita cianótica complexa. Outras situações são de risco moderado como a maioria das cardiopatias congênitas acianóticas, disfunção valvar pela doença reumática, do colágeno, cardiomiopatia hipertrófica e prolapso valvar mitral com regurgitação; as demais são de baixo risco. É importante ressaltar a visita regular ao Cirurgião-Dentista, manter uma boa escovação, bem como usar fio dental e estar atento aos sintomas.
// Texto Fernanda Carvalho //