Odontologia - 20.06.2025
Avanços e desafios no diagnóstico da anquiloglossia em bebês
Profissionais destacam conquistas importantes desde a aprovação do Teste da Linguinha, mas alertam para abordagens precipitadas, falta de consenso e necessidade de formação qualificada das equipes de saúde

Aprovada em 2014, a Lei Federal no 13.002, tornou obrigatória a avaliação do frênulo lingual – conhecido popularmente como Teste da Linguinha - em todos os recém-nascidos (RN) do país, reconhecendo a anquiloglossia como uma das possíveis causas de dificuldades na amamentação. De lá para cá, avanços importantes foram conquistados pelo Ministério da Saúde (MS), como diretrizes para os serviços de saúde, tanto para diagnóstico e tratamento da anquilolgossia em RN, como também sobre um Fluxo de Atenção no SUS, pensando no seguimento das duplas mães-bebês, após a alta da maternidade.
Em parceria há 10 anos com o Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (IS-SES/SP) o MS ofereceu capacitação para equipes de saúde em maternidades de vários estados do país, além de disponibilizar em 2024 um curso na modalidade EaD, que está no Portal de Boas Práticas da FioCruz.
Entretanto, ainda persistem desafios: há dúvidas sobre a melhor forma de diagnóstico, melhor momento para intervenções cirúrgicas e dificuldades na formação de profissionais.
Para a fonoaudióloga, Dra. Maria Teresa Cera Sanches, pesquisadora do IS-SES/SP, que atua há mais de três décadas com aleitamento materno e neonatologia (com experiência hospitalar no SUS e na clínica privada), ainda há muito o que evoluir. “Não há consenso sobre a melhor forma de diagnosticar ou tratar a anquiloglossia em recém-nascidos e nem sempre os profissionais estão preparados para lidar com essas questões de forma adequada”, afirma. Ela explica que a Lei Federal 13.002/2014 foi aprovada sem posicionamento favorável das áreas técnicas do Ministério da Saúde, justamente por falta de estudos com metodologias adequadas e de seguimento dos bebês pós a frenotomia. “Persistem lacunas no conhecimento sobre a melhor forma de diagnóstico, a eficácia e segurança da frenotomia e sobre os reais impactos da anquiloglossia na amamentação”, reforça.
Segundo a Dra Maria Teresa, ao longo da última década, a parceria do Ministério da Saúde com o IS-SES/SP foi imprescindível para elaborar diretrizes baseado em evidências científicas. “A avaliação do frênulo lingual deve considerar muito mais do que a anatomia. A função esperada para a idade do bebê, a avaliação da mamada, aspectos da dupla mãe-bebê, da mulher e sociais são essenciais para uma avaliação completa e condutas assertivas. A cirurgia não deve ser indicada para prevenir futuros problemas, mas apenas quando houver prejuízo funcional comprovado”, destaca.
Ela reforça ainda que a anquiloglossia pode gerar desde o nascimento adaptações musculares, posturas incorretas e esforço excessivo na amamentação, o que poderá provocar dor, lesões mamilares, ingestão de ar, sintomas gastrointestinais e baixo ganho de peso. “A forma será sempre influenciada pela função. A posição e os movimentos da língua são determinantes para o estabelecimento da amamentação exclusiva e consequentemente para o desenvolvimento adequado orofacial”, explica. “Se houver desequilíbrio no início da vida, todo esse processo pode ser prejudicado.”
Destaca também a necessidade de uma avaliação fonoaudiológica completa orofacial, de modo que todas as estruturas do sistema estomatognático deverão ser avaliadas detalhadamente quanto à anatomia, postura, bem como mobilidade, além de suas respectivas funções. “Nosso trabalho vai muito além de aplicar um protocolo. Realizamos também uma avaliação global do bebê, bem como estados comportamentais deste, além de aspectos que envolvem a mãe-bebê, considerando o histórico materno, bem como a rede de apoio familiar/social antes de definir um plano terapêutico. Condutas apressadas geram iatrogenias. Por isso, precisamos de cautela e de atuação interdisciplinar para uma conduta segura e efetiva”, conclui.
O importante papel da Odontopediatria no cuidado ao bebê
A Odontopediatra, Dra Adriana Mazzoni, que atua há mais de 30 anos com Odontologia para bebês e aleitamento materno, também chama atenção para os riscos da conduta precipitada. “Nem toda dificuldade de amamentação está relacionada à anquiloglossia, e nem toda anquiloglossia exige intervenção cirúrgica. Há bebês que ainda estão amadurecendo funções básicas, como a protrusão da língua, e precisam apenas de tempo e acompanhamento especializado”, explica. Ela relata que o tema passou a ganhar força no Brasil a partir de 2014, com a aprovação da lei, e que teve participação ativa nas ações de formação conduzidas pelo Ministério da Saúde. “Nosso papel como odontopediatras é avaliar a cavidade oral do bebê, observar a mamada e, quando necessário, intervir. Mas sempre em equipe, com apoio do médico Pediatra e de outros profissionais, pois estamos lidando com um paciente em condição muito especial”, afirma.
Ela alerta que o teste de triagem – o Teste da Linguinha – não substitui o conhecimento clínico. “Acredito que muitos profissionais nas maternidades não sabem fazer o diagnóstico adequado. Algumas vezes, mesmo com limitação visível da língua, o bebê precisa de tempo para amadurecer, especialmente entre a 38ª e a 39ª semana de gestação. Outras vezes, a mãe está com dor e dificuldade de amamentar e é liberada sem orientação. Falta equilíbrio nas informações dadas às famílias”, completa.
Além da anquiloglossia, a Dra Adriana aponta que outras alterações anatômicas também podem interferir na amamentação, como dentes natais e neonatais, supranumerários e lesões orais. “Essas condições também exigem atenção do odontopediatra, que precisa avaliar com cuidado e conversar com a equipe. Cada caso precisa de um olhar clínico e ético. Se houver indicação, a intervenção deve ocorrer com o bebê em boas condições de saúde e com suporte adequado.”
A Odontopediatra reforça que, a comunicação clara com a família é essencial, mesmo quando a conduta for de não intervir naquele momento. “Se um profissional percebe uma limitação causada pela anquiloglossia, mas entende que não é hora de intervir, ele precisa orientar os pais sobre o que pode acontecer e onde buscar ajuda. Há mães que são liberadas da maternidade chorando, machucadas, sem conseguir amamentar e sem nenhuma informação. Isso não pode acontecer”, alerta. “É preciso trabalhar com sensibilidade, segurança e responsabilidade, sempre com foco na saúde do bebê e no fortalecimento do vínculo com a mãe.”
Por Swellyn França
Para conhecer mais
1. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Iniciativa Hospital Amigo da Criança: revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado: módulo 3: promovendo e incentivando a amamentação em um Hospital Amigo da Criança: curso de 20 horas para equipes de maternidade (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Brasília, DF: Ministério da Saú de; 2009.2. Ingram J, Johnson D, Copeland M, et al. The development of a tongue assessment tool to assist with tongue-tie identification. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2015;100(4): F344-8.3. Ingram J, Copeland M, Johnson D, et al. The development and evaluation of a picture tongue assessment tool for tongue-tie in breastfed babies (TABBY). Int Breastfeed J. 2019; 14:31.4. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção Primária à Saúde Departamento de Gestão do Cuidado Integral; Coordenação-Geral de Articulação do Cuidado Integral; Coordenação de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente Departamento de Saúde da Família e Comunidade Coordenação-Geral de Saúde Bucal. Nota Tecnica Conjunta nº52/2023. Objetivo: orientar os profissionais e estabelecimentos de saúde sobre a iden ficação precoce da anquiloglossia em recém-nascidos, bem como estabelecer o fluxo de atendimento dessa população na rede de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, tendo em vista sua potencial interferência sobre a amamentação.5. Venancio SI, Toma TS, Buccini GS, Sanches, MTC et al. Anquiloglossia e aleitamento ma terno: evidências sobre a magnitude do problema, protocolos de avaliação, segurança e eficácia da frenotomia. Parecer técnico‑científico. São Paulo: Instituto de Saúde; 2015.6. Venancio Sl, Buccini G, Sanches MTC, Coleta H, Olin P, Coimbra T. “Adaptação Transcultural do Protocolo de Avaliação da Língua de Bristol (Bristol Tongue Assessment Tool -BTAT) e do Protocolo de Avaliação de anquiloglossia em bebês amamentados (Tongue-tie and Breastfeed Babies Assessment Tool -TABBY)”. Relatório de Pesquisa; 2022.7. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); Ministério da Saúde; OPAS: Instituto de Saúde – SES/SP. Curso de Atenção ao RN com anquiloglossia nas Redes de Atenção à Saúde. Disponível em: Portal de Boas Práticas da Fiocruz.8. Sanches MTC, Mazzoni AC, Silva FAFL, Chencinscki YM. Anquiloglossia em RN e lactentes jovens: abordagem interdisciplinar. In: Carvalho, M. R.; Sanches, MTC. Amamentação: bases científicas. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2024. p.76-93.9. Sanches MTC, Simão CAB; Venancio SI; OlinP; Toma TS. Panorama da Anquiloglosia em RN e lactentens no Brasil. In: Carvalho, M. R.; Sanches, MTC. Amamentação: bases científicas. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2024. p.505-14.10. Documento científico sobre anquiloglossia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). Anquiloglossia no Recém-Nascido e Lactente Jovem: visão transdisciplinar. 03/24. Disponível em https://www.spsp.org.br/documento-cientifico-anquiloglossia-no-recem-nascido-e-lactente-jovem-visao-transdisciplinar/