Odontologia - A tuberculose e a Odontologia: uma abordagem segura e necessária

Odontologia - 17.11.2024

A tuberculose e a Odontologia: uma abordagem segura e necessária

Uma doença endêmica que ainda desafia a saúde pública, exigindo cuidados especiais e uma estratégia integrada

Manejo odontológico de pacientes com tuberculose requer uma abordagem multidisciplinar e centrada na segurança do atendimento
Manejo odontológico de pacientes com tuberculose requer uma abordagem multidisciplinar e centrada na segurança do atendimento

A tuberculose (TB), uma antiga infecção causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, ainda é um desafio para a saúde pública no Brasil, onde se estima haver cerca de 90 mil novos casos por ano e cerca de cinco mil mortes anuais. Conhecida no passado como “doença do peito” ou “peste branca”, a tuberculose tem uma história milenar e segue como uma doença endêmica de evolução lenta, mas que pode causar sérios danos à saúde.

Diversos fatores contribuem para que a tuberculose se mantenha como uma doença endêmica no nosso país. "A vulnerabilidade social levando à desnutrição e à aglomeração é o principal fator para perpetuação da doença no nosso meio. Como a transmissão da doença é principalmente via respiratória, as condições de moradias precárias, com falta de ventilação e grande quantidade de habitantes em um pequeno espaço facilitam a transmissão da doença", explica a infectologista, Dra. Ho Yeh Li, coordenadora da UTI de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Outra condição que agrava o cenário é o sistema prisional, onde "prevalece a superlotação, a higiene precária e a assistência médica insuficiente. Diversos estudos mostram as taxas de tuberculose nos presídios muito maiores que na população geral, tornando esse ambiente um foco importante para o controle da doença." Além disso, a exploração de trabalhadores em condições similares às de trabalho escravo também é um fator adicional. Essas pessoas são confinadas em condições precárias de alojamento e submetidas às péssimas ofertas de alimentação, o que facilita a aquisição e o adoecimento pela tuberculose", complementa a Dra Ho.

O tratamento da TB é gratuito no SUS e é feito com medicamentos como Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamida e Etambutol. Com o início do tratamento, a transmissão tende a diminuir rapidamente e, em geral, após 15 dias, o risco de transmissão é bastante reduzido. No entanto, é fundamental que os pacientes sigam o tratamento até o final, independentemente da melhora dos sintomas. "Infelizmente, a má adesão ao tratamento tem levado ao aumento de resistência da M. tuberculosis aos principais medicamentos usados no tratamento, assim como na transmissão de M. tuberculosis resistentes", alerta a infectologista. "Os profissionais de saúde, incluindo os Cirurgiões-Dentistas, podem contribuir no controle da doença principalmente para a suspeita diagnóstica. A tuberculose pode atingir pessoas de todas as faixas etárias e possui evolução lenta e progressiva. Desta forma, qualquer pessoa que possua sintomas de tosse prolongada (acima de 2-3 semanas) e febre deve ser investigada para tuberculose."

Protocolos e cuidados no atendimento odontológico de pacientes com tuberculose

No contexto odontológico, o atendimento de pacientes com tuberculose requer protocolos específicos para evitar a transmissão da doença e gerenciar potenciais interações medicamentosas. “A triagem inicia-se com uma anamnese minuciosa, abordando as patologias sistêmicas, comorbidades, medicamentos em uso, histórico de tuberculose, data do diagnóstico e se o tratamento foi concluído com alta médica”, explica a coordenadora do Serviço de Odontologia do Instituto da Criança e do Adolescente do HCFMUSP e Cirurgiã-Dentista do Serviço de Odontologia do Hospital de Clínicas da Unicamp, Dra. Juliana Bertoldi Franco, que também é presidente da Câmara Técnica de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP). "É importante ressaltar que a anamnese é fundamental, pois a tuberculose ‘não tem cara’", enfatiza a Dra. Ho, lembrando que não há características físicas claras que identifiquem a doença.

"Outro ponto de atenção que os Cirurgiões-Dentistas podem contribuir é na forma faringolaríngea da tuberculose, uma manifestação rara que acomete principalmente pessoas imunodeprimidas e gestantes. Pacientes podem queixar-se de odinofagia e, ao exame da cavidade oral e faringe/laringe, visualiza-se lesão de aspecto granulomatoso", destaca a infectologista. 

É fundamental que pacientes com histórico de TB apresentem um relatório médico comprovando a ausência de risco de transmissão antes do início do tratamento odontológico eletivo. Por outro lado, pacientes com TB ativa podem precisar de atendimento odontológico durante o tratamento. “Nestes casos, deve ser sempre priorizada as urgências odontológicas e, após a alta médica, aí sim podemos fazer o planejamento odontológico eletivo”, pontua a Dra Juliana. “As consultas durante os primeiros 15 dias de tratamento farmacológico devem se limitar a procedimentos que minimizem a formação de aerossóis e serem realizadas no fim do dia, reduzindo assim o risco de transmissão. Nesses casos, procedimentos como drenagem de abscessos, biópsias e extrações que não exijam alta rotação são permitidos, desde que os profissionais utilizem máscara N95 e óculos de proteção”, observa a especialista. 

"Todos os profissionais de saúde devem utilizar máscara facial PFF2, amplamente conhecida como máscara N95. O uso correto da máscara é fundamental, cobrindo o nariz e a boca, com vedação adequada", reforça a Dra. Ho.

Após os primeiros 15 dias de tratamento, a transmissão tende a ser reduzida e procedimentos que envolvam aerossóis, como restaurações e tratamentos periodontais com uso de ultrassom, podem ser realizados. No entanto, procedimentos eletivos e estéticos devem ser adiados até que o paciente tenha alta médica.

Interações medicamentosas e manejo seguro de pacientes com tuberculose

Os medicamentos antituberculosos interferem diretamente em outros fármacos usados em Odontologia. A Rifampicina, por exemplo, pode reduzir a eficácia de anestésicos locais, enquanto a Isoniazida pode prolongar o efeito da lidocaína, aumentando o risco de toxicidade. "A Rifampicina é um indutor enzimático do CYP450, o que pode acelerar o metabolismo de muitos medicamentos metabolizados pelo fígado, reduzindo sua duração e eficácia. No contexto de tratamento odontológico, isso inclui anestésicos locais como lidocaína, analgésicos como paracetamol e antifúngicos como fluconazol", explica a Dra. Ho. "A principal recomendação aos Cirurgiões-Dentistas no tratamento dos pacientes em uso de antituberculostáticos é evitar o uso de medicamentos hepatotóxicos, em especial o paracetamol, e monitorar o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), evitando o uso prolongado." Neste contexto, Dra Juliana salienta que não existem restrições em relação a antibióticos de uso odontológico e nem em relação a anestésicos locais, desde que bem utilizados.

Pacientes que finalizaram o tratamento para tuberculose devem receber acompanhamento odontológico focado na prevenção de complicações e promoção da saúde bucal. O uso de flúor tópico, enxaguatórios fluoretados e consultas de profilaxia profissional a cada três a seis meses são recomendados para evitar problemas como cárie e doenças gengivais, comuns em pacientes com hipossalivação decorrente do tratamento.

“O manejo odontológico de pacientes com histórico de tuberculose requer uma abordagem multidisciplinar e centrada na segurança do atendimento. A comunicação com o médico do paciente é fundamental para monitorar o estado de saúde e ajustar as intervenções conforme necessário. Além disso, o acompanhamento psicológico é relevante, visto que a tuberculose pode impactar o bem-estar mental e a adesão ao cuidado odontológico. “Discriminar um paciente pela sua condição de saúde é uma infração ética gravíssima, com implicações trabalhistas e civis”, enfatiza. O atendimento odontológico pode e deve ser realizado, sempre seguindo os princípios da biossegurança, para garantir a saúde bucal e o bem-estar do paciente, independentemente do estágio da doença”, finaliza a Dra. Juliana.

Por Swellyn França