Pacientes em foco - Fake news na Odontologia: 5 práticas caseiras que colocam a saúde bucal em risco

Pacientes em foco - 27.03.2025

Fake news na Odontologia: 5 práticas caseiras que colocam a saúde bucal em risco

Desinformação nas redes sociais leva pacientes a adotar métodos sem comprovação científica que podem causar danos irreversíveis

Especialistas esclarecerem os riscos que práticas caseiras e sem comprovação científica podem causar à saúde bucal
Especialistas esclarecerem os riscos que práticas caseiras e sem comprovação científica podem causar à saúde bucal

Na era digital, o acesso à informação é rápido e constante — e, com ele, também se espalham desinformações em diferentes áreas. Quando se trata da saúde, no entanto, o impacto das fake news pode ser ainda mais grave. Na Odontologia, cada vez mais pacientes recorrem a soluções caseiras sem comprovação científica, muitas delas amplamente divulgadas nas redes sociais como alternativas acessíveis e supostamente eficazes.

Entretanto, especialistas alertam que essas práticas podem comprometer seriamente dentes e gengivas, levando a complicações irreversíveis. Métodos como clareamento com bicarbonato e limão, remoção de tártaro com produtos abrasivos e o uso de próteses feitas em casa estão entre os exemplos mais preocupantes.

O APCD Jornal listou cinco práticas caseiras que vêm ganhando espaço nas redes (sendo as duas últimas as mais disseminadas) e consultou especialistas de diferentes áreas da Odontologia para esclarecer os riscos de cada uma delas:

1 - Dentes de resina fabricados em casa

A comercialização de kits que prometem substituir dentes perdidos tem ganhado espaço na internet, especialmente em redes sociais e sites estrangeiros. Os produtos, geralmente compostos por materiais termoplásticos de origem desconhecida, são moldados de forma manual e endurecidos com o uso de calor. Apesar de parecerem uma solução rápida e acessível, esses dispositivos improvisados não têm qualquer respaldo científico e representam sérios riscos à saúde bucal.

A especialista em Prótese Dentária, Dra. Maria Angela Prestes Oliveira, que é diretora do Departamento de Prótese Dentária do Conselho Científico (COCI) da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD), explica que o uso desses materiais não substitui um tratamento odontológico adequado e pode agravar problemas já existentes. “Temos observado publicações que indicam o uso de materiais manipulados em casa como substitutos de dentes perdidos — funcionam como se fossem uma ‘massinha de criança’, moldável e que endurece com o calor. Mas é importante lembrar que, se houve a perda de um dente, existe uma causa para isso, como cárie avançada ou doença periodontal, com contaminação bacteriana associada. Ao colocar um material artesanal na boca, sem tratar a causa da perda, a pessoa corre o risco de agravar o problema, podendo perder outros dentes ou até desenvolver complicações sistêmicas.”

Além disso, ela ressalta que esses materiais não são testados pelos órgãos competentes e podem desencadear reações adversas nos tecidos bucais, além de mascarar sinais clínicos importantes para o diagnóstico profissional.

2 - Remoção de tártaro com métodos caseiros

A busca por alternativas para a remoção do tártaro tem levado à popularização de receitas caseiras e de dispositivos comercializados on-line, que prometem resultados semelhantes aos obtidos em consultório odontológico. Algumas dessas práticas envolvem o uso de substâncias abrasivas — como bicarbonato de sódio e vinagre — e aparelhos vendidos como se fossem similares aos utilizados por profissionais.

No entanto, esses métodos não apenas são ineficazes, como também oferecem riscos significativos à saúde bucal, podendo causar desde irritação até danos permanentes à estrutura dentária.

O periodontista Dr. Irineu Gregnanin Pedron, que é vice-diretor do Departamento de Implantodontia do COCI da APCD, enfatiza que apenas o Cirurgião-Dentista está apto a realizar a remoção de cálculos dentários com segurança. “A remoção de cálculos dentários (tártaro) só deve ser realizada pelo Cirurgião-Dentista. Métodos caseiros ou a venda de 'equipamentos odontológicos' pela internet para uso do próprio paciente não são aconselhados. Alguns desses aparelhos até se assemelham ao ultrassom usado pelo profissional, mas não possuem sistema de irrigação, o que pode causar aquecimento excessivo dos dentes e provocar danos às estruturas internas, como a polpa, resultando em problemas endodônticos.”

O especialista também alerta que não existem formulações químicas capazes de dissolver o tártaro, como alguns conteúdos da internet sugerem. “O uso de substâncias químicas caseiras pode agredir dentes e mucosas. E mais: quando a remoção do tártaro é parcial, há risco de agudização do processo infeccioso, com formação de abscessos gengivais.”

3 - Uso de alinhadores sem acompanhamento profissional

Os avanços na Ortodontia digital permitiram que tratamentos com alinhadores transparentes se tornassem mais previsíveis, confortáveis e eficientes. No entanto, a popularização desses dispositivos também abriu espaço para ofertas de alinhadores vendidos diretamente ao consumidor, sem qualquer supervisão profissional, ou a profissionais que não estão tecnicamente preparados — o que representa um sério risco à saúde bucal.

A diretora do Departamento de Ortodontia do COCI da APCD, Dra. Walderez Thomé Testa destaca que os alinhadores são confeccionados a partir de planejamentos virtuais, mas esse processo não é meramente técnico ou automático. “Atualmente, muitos tratamentos ortodônticos são realizados com alinhadores, e as novas tecnologias ajudam muito. Mas o que direciona um tratamento ortodôntico correto e bem-sucedido é o conhecimento do diagnóstico e do planejamento específico, feito por quem tem formação completa em Ortodontia.”

Segundo a ortodontista, os planejamentos virtuais são, muitas vezes, realizados por técnicos da área de tecnologia, como cadistas (profissionais que trabalham com a tecnologia CAD/CAM). Por isso, é fundamental que o ortodontista atue desde o início, individualizando o diagnóstico e supervisionando todas as fases do tratamento. “É necessário conhecimento em Ortodontia para avaliar se todos os movimentos dentários — de coroas e raízes — estão ocorrendo de modo biologicamente correto. Também é preciso domínio dos programas de planejamento e de suas ferramentas.”

A ausência de acompanhamento especializado pode gerar complicações sérias e algumas delas irreversíveis. Reabsorção radicular; retração gengival; abfração; contatos oclusais indesejados; rupturas de tábuas ósseas; colisões dentárias; traumas oclusais e resultados estéticos e funcionais insatisfatórios são efeitos indesejados e precisam ser evitados. “Se o planejamento não for realizado, supervisionado e corrigido com o conhecimento de um profissional especializado, haverá riscos reais à saúde bucal do paciente.

4 - Uso inadequado do flúor

A disseminação de fake news sobre o flúor tem levado parte da população a evitar cremes dentais fluoretados e a questionar a fluoretação das águas, comprometendo uma das estratégias mais eficazes no combate à cárie dentária.

O pesquisador Dr. Jaime Cury, referência nacional e internacional na área, esclarece que a cárie não é causada pela ausência de flúor ou por má escovação — mas sim pela frequente exposição aos açúcares da dieta, principalmente a sacarose, presente em alimentos industrializados e bebidas como refrigerantes. “No sentido estrito, o fluoreto não é indispensável para a saúde sistêmica e nem para o indivíduo que tem um consumo muito controlado de açúcar. Mas é a única substância capaz de reduzir o efeito prejudicial do açúcar nos dentes. E, nesse sentido, ele é essencial em termos de saúde pública.

O especialista reforça que nenhum país do mundo conseguiu controlar a cárie sem o uso do flúor em alguma forma — seja na água, no sal ou, principalmente, nos cremes dentais, que são a forma mais comum e acessível de aplicação. “O perigo da desinformação é o prejuízo para a saúde pública de um país. Evitar o flúor com base em mitos compromete a principal ferramenta coletiva de combate à cárie que temos disponível, baseada nas melhores evidências científicas.”

5 - Clareamentos caseiros sem supervisão

A promessa de dentes mais brancos de forma rápida e barata é uma das mais exploradas nas redes sociais. Misturas com bicarbonato, limão, carvão ativado e outros ingredientes "naturais" são divulgadas por influenciadores como soluções milagrosas para clarear os dentes. No entanto, essas práticas colocam a saúde bucal em risco e não têm qualquer comprovação científica.

O especialista em Dentística Dr. Camillo Anauate, diretor do Departamento de Dentística Restauradora do COCI da APCD, alerta que muitos desses produtos são divulgados por pessoas que “ou querem fama, ou querem seguidores, ou querem vender algo”. Segundo ele, são fórmulas “feitas em fundo de quintal”, sem registro na Anvisa ou respaldo técnico, e que, mesmo quando possuem registro, muitas vezes não têm eficácia comprovada. “Esses produtos apelam para o ‘segredo que o dentista não quer que você saiba’, como se tivessem descoberto algo revolucionário que só eles conhecem. Mas não têm segurança, não têm efetividade. Quando fazem algum efeito, é às custas de desgaste superficial do esmalte, o que pode causar perda irreversível dessa estrutura.”

O especialista explica que fórmulas caseiras com bicarbonato e limão, por exemplo, são altamente abrasivas e ácidas, provocando biocorrosão do esmalte. Já os pós de carvão ativado — vendidos em potes ou latas com promessas de “clareamento instantâneo” — possuem alto índice de abrasividade (RDA) e apenas removem manchas superficiais, sem ação clareadora real. “Esses produtos, dependendo da escova, da força e da frequência de uso, podem sim causar desgaste significativo do esmalte. E para desgastar esmalte é preciso um somatório de ácido, abrasivo, escova dura, força e frequência. É um risco à saúde das pessoas.”

Mesmo os clareadores que possuem registro na Anvisa — como os à base de peróxido de hidrogênio ou peróxido de carbamida — não devem ser usados sem a supervisão do Cirurgião-Dentista. “O paciente não tem como saber a concentração adequada, o tempo de uso, a frequência. A ideia de que ‘quanto mais usar, mais clareia’ pode causar queimaduras na gengiva, sensibilidade e danos irreversíveis.”

Além disso, ele chama atenção para o retorno de produtos industrializados, como tiras adesivas clareadoras, que entram e saem do mercado conforme surgem denúncias aos órgãos de controle. “Clareador vende. Mas precisa ser feito com segurança. Tem produto aí que é vendido para clarear dente e também serve para limpar tênis. Isso mostra o nível de profundidade científica dessas promessas.” E finaliza com uma citação de Paracelso, alquimista do século XVI: “A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Mesmo os produtos que têm certificação, se forem usados de forma incorreta, vão causar prejuízo”.

Por Swellyn França